|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
escuta aqui
Até as demos ruins são boas
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
A equipe do Folhateen celebra o
sucesso da nova seção, dedicada
às chamadas fitas demo de bandas
iniciantes. É, de fato, uma ótima
notícia.
A qualidade nem interessa. Pouco importa que boa parte desses
grupos seja sofrível (meu palpite é
que deve mesmo ser).
O que estimula é ver um monte
de moleques que cresce fora do
circuito cabeça Rio-São Paulo
pouco se lixando para o establishment caetânico ou para a nova sacarina concentrada dos Titãs.
Gente jovem fazendo um som
novo, seja ele rock, música para
dançar, baião eletrificado ou o
que mais lhe vier à cabeça.
Quando recebo fanzines de leitores de outras cidades, fico impressionado com a quantidade de
bandas que já têm até CD independente e das quais nunca ouvi
falar.
Há poucas semanas, em San
Francisco (EUA), Birdstuff, baterista do Man or Astro-Man, me
disse que o que os deixou mais felizes, na recente turnê pelo Brasil,
foram os shows pelo interior (como os de Maringá e Londrina,
ambas no Paraná), mais ainda que
as duas apresentações superlotadas em São Paulo.
É dessa meninada, escondida
em algum canto do fim de mundo
chamado por nós de Brasil, que
pode surgir alguma fagulha que
bote fogo de uma vez por todas na
modorrenta cena musical dos
grandes centros.
Por piores que sejam essas bandas desconhecidas, não podem
ser inferiores a engodos como Otto e Arnaldo Antunes, só para citar duas empulhações nas quais,
por alguma razão além do que sou
capaz de compreender, as gravadoras insistem em investir.
É preciso ter estômago de avestruz para escutar fitas demo. Muitas revistas estrangeiras têm jornalistas que cuidam especificamente de analisá-las. E já virou
folclore que a grande maioria seja
impiedosamente massacrada (depois, quando ficam famosas, as
bandas adoram lembrar isso, ridicularizando o crítico que as humilhou no passado).
Recebo poucas fitas demo e CDs
de estreantes. Ainda bem. Estou
velho, rabugento e seletivo, não
tenho mais como perder tempo
dando ouvidos a amadores.
Mas não sou eu quem faz a seção
de demos. É um jovem cheio de
adrenalina e testosterona, pronto
para encarar o desafio de ter seus
tímpanos incomodados todo dia.
A música brasileira precisa com
urgência de gente assim: de músicos com audácia que mandem seu
som titubeante para análise; e de
críticos entusiasmados que se dignem a ouvir pilhas e pilhas de fitas.
Encontrou bilhetes de outro cara na bolsa da sua namorada? Não
aguenta mais o frio e a solidão?
Bem, se o seu ego anda em frangalhos, e precisa de uma trilha sonora para essa desintegração, anote
a lista de dez álbuns indicados pela revista americana "Alternative
Press" como os mais sombrios de
todos os tempos: "The Downward
Spiral", Nine Inch Nails; "This is
Hardcore", Pulp; "Music for a
New Society", John Cale; "The
Idiot", Iggy Pop; "Faith", The Cure; "The Marble Index", Nico;
"Closer", Joy Division; "Berlin",
Lou Reed; "Songs of Love and Hate", Leonard Cohen; "Songs from
My Funeral" , Snakefarm.
Corra atrás desses CDs e dê bom
dia para sua tristeza.
Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação
do "Fantástico" em São Paulo, e-mail: cby2k@uol.com.br
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|