São Paulo, segunda, 31 de maio de 1999

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escuta aqui Até as demos ruins são boas

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

A equipe do Folhateen celebra o sucesso da nova seção, dedicada às chamadas fitas demo de bandas iniciantes. É, de fato, uma ótima notícia.
A qualidade nem interessa. Pouco importa que boa parte desses grupos seja sofrível (meu palpite é que deve mesmo ser).
O que estimula é ver um monte de moleques que cresce fora do circuito cabeça Rio-São Paulo pouco se lixando para o establishment caetânico ou para a nova sacarina concentrada dos Titãs.
Gente jovem fazendo um som novo, seja ele rock, música para dançar, baião eletrificado ou o que mais lhe vier à cabeça.
Quando recebo fanzines de leitores de outras cidades, fico impressionado com a quantidade de bandas que já têm até CD independente e das quais nunca ouvi falar.
Há poucas semanas, em San Francisco (EUA), Birdstuff, baterista do Man or Astro-Man, me disse que o que os deixou mais felizes, na recente turnê pelo Brasil, foram os shows pelo interior (como os de Maringá e Londrina, ambas no Paraná), mais ainda que as duas apresentações superlotadas em São Paulo.
É dessa meninada, escondida em algum canto do fim de mundo chamado por nós de Brasil, que pode surgir alguma fagulha que bote fogo de uma vez por todas na modorrenta cena musical dos grandes centros.
Por piores que sejam essas bandas desconhecidas, não podem ser inferiores a engodos como Otto e Arnaldo Antunes, só para citar duas empulhações nas quais, por alguma razão além do que sou capaz de compreender, as gravadoras insistem em investir.
É preciso ter estômago de avestruz para escutar fitas demo. Muitas revistas estrangeiras têm jornalistas que cuidam especificamente de analisá-las. E já virou folclore que a grande maioria seja impiedosamente massacrada (depois, quando ficam famosas, as bandas adoram lembrar isso, ridicularizando o crítico que as humilhou no passado).
Recebo poucas fitas demo e CDs de estreantes. Ainda bem. Estou velho, rabugento e seletivo, não tenho mais como perder tempo dando ouvidos a amadores.
Mas não sou eu quem faz a seção de demos. É um jovem cheio de adrenalina e testosterona, pronto para encarar o desafio de ter seus tímpanos incomodados todo dia.
A música brasileira precisa com urgência de gente assim: de músicos com audácia que mandem seu som titubeante para análise; e de críticos entusiasmados que se dignem a ouvir pilhas e pilhas de fitas.

Encontrou bilhetes de outro cara na bolsa da sua namorada? Não aguenta mais o frio e a solidão? Bem, se o seu ego anda em frangalhos, e precisa de uma trilha sonora para essa desintegração, anote a lista de dez álbuns indicados pela revista americana "Alternative Press" como os mais sombrios de todos os tempos: "The Downward Spiral", Nine Inch Nails; "This is Hardcore", Pulp; "Music for a New Society", John Cale; "The Idiot", Iggy Pop; "Faith", The Cure; "The Marble Index", Nico; "Closer", Joy Division; "Berlin", Lou Reed; "Songs of Love and Hate", Leonard Cohen; "Songs from My Funeral" , Snakefarm.
Corra atrás desses CDs e dê bom dia para sua tristeza.


Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do "Fantástico" em São Paulo, e-mail: cby2k@uol.com.br



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