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Antologia poética de Prévert celebra a beleza do comum
A leitura tem dessas coisas magníficas: por um passe
de mágica, a gente descobre que tem alguém que
sentiu antes de nós e conseguiu expressar, melhor do
que jamais poderíamos, o que nós próprios estamos
sentindo. A gente descobre uma sensibilidade parecida
com a nossa, com a vantagem de estar ali, escrita, esperando apenas o nosso olho para se completar.
Então a gente pega o volume bilíngue de poemas de
Jacques Prévert (diga "jac prevér"), relançado agora, e
acontece isso: uma ligação estranha da nossa maneira
de ver o mundo com a de um cara que viveu entre 1900 e
1977, na França. Foi autor de letras de canções, roteirista
e poeta estimado. Ligado aos surrealistas, fez o que todo
poeta espera: inventou um modo de lidar com a linguagem para falar do mundo em que viveu.
Seu mundo foi barra-pesada, como o nosso. Foi contemporâneo de duas guerras. Prévert não estava ali de
brincadeira e soube dizer, em versos livres e belos, o que
acontecia com a gente comum.
Para fazer uma aproximação com a cultura brasileira,
dá para dizer que a poesia de Prévert seria uma mistura
do modo como Manuel Bandeira e Carlos Drummond
faziam poesia (linguagem acessível mas com densidade
muito sofisticada) com o jeito de ser da nossa canção
popular (grande capacidade de fixar quadros da vida
corriqueira num andamento familiar aos ouvidos).
Nessa antologia vem uma seleção sensacional de seus
poemas. Há alguns com aspecto de fábula, envolvendo
caramujos e baleias, mas falando de nós mesmos. Há
atenção à pintura de Van Gogh. Há quadros da vida cotidiana, pintados com foco no homem comum que resiste à truculência e à banalidade. Há alguma coisa surrealista e brincadeiras de linguagem (o poema "O Cortejo" faz uma listagem de pessoas, "um velho de ouro
com um relógio de luto", "um apanhador espiritual
com um orientador de guimbas" etc.). E há, sobretudo,
uma sensibilidade finíssima para o ponto de vista da
criança, aquela que ainda não viu a maldade do mundo
ou, se viu, prefere pensar com o coração, não com a razão do mundo, mais conhecida como o dinheiro, que o
poeta combate com toda a alma para dizer não.
E-mail: fischerl@uol.com.br
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