São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 2000


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Antologia poética de Prévert celebra a beleza do comum

A leitura tem dessas coisas magníficas: por um passe de mágica, a gente descobre que tem alguém que sentiu antes de nós e conseguiu expressar, melhor do que jamais poderíamos, o que nós próprios estamos sentindo. A gente descobre uma sensibilidade parecida com a nossa, com a vantagem de estar ali, escrita, esperando apenas o nosso olho para se completar.
Então a gente pega o volume bilíngue de poemas de Jacques Prévert (diga "jac prevér"), relançado agora, e acontece isso: uma ligação estranha da nossa maneira de ver o mundo com a de um cara que viveu entre 1900 e 1977, na França. Foi autor de letras de canções, roteirista e poeta estimado. Ligado aos surrealistas, fez o que todo poeta espera: inventou um modo de lidar com a linguagem para falar do mundo em que viveu.
Seu mundo foi barra-pesada, como o nosso. Foi contemporâneo de duas guerras. Prévert não estava ali de brincadeira e soube dizer, em versos livres e belos, o que acontecia com a gente comum.
Para fazer uma aproximação com a cultura brasileira, dá para dizer que a poesia de Prévert seria uma mistura do modo como Manuel Bandeira e Carlos Drummond faziam poesia (linguagem acessível mas com densidade muito sofisticada) com o jeito de ser da nossa canção popular (grande capacidade de fixar quadros da vida corriqueira num andamento familiar aos ouvidos).
Nessa antologia vem uma seleção sensacional de seus poemas. Há alguns com aspecto de fábula, envolvendo caramujos e baleias, mas falando de nós mesmos. Há atenção à pintura de Van Gogh. Há quadros da vida cotidiana, pintados com foco no homem comum que resiste à truculência e à banalidade. Há alguma coisa surrealista e brincadeiras de linguagem (o poema "O Cortejo" faz uma listagem de pessoas, "um velho de ouro com um relógio de luto", "um apanhador espiritual com um orientador de guimbas" etc.). E há, sobretudo, uma sensibilidade finíssima para o ponto de vista da criança, aquela que ainda não viu a maldade do mundo ou, se viu, prefere pensar com o coração, não com a razão do mundo, mais conhecida como o dinheiro, que o poeta combate com toda a alma para dizer não.
E-mail: fischerl@uol.com.br


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