São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2012

CAFUNÉ

Vamos sujar!

CLARICE REICHSTUL
COLUNISTA DA FOLHA

Tistu era o menino do dedo verde. Acho que ninguém mais lê essa história atualmente.
Eu gostava muito da unha da mãe do Tistu, que era rosada e polida, refletia a luz como um espelho. Aliás, na casa de Tistu, tudo refletia como um espelho: o cabelo do pai cheio de brilhantina, o corrimão da escada, que era polido com rigor, as pratarias. Tudo brilhava e era muito limpinho.
Mas Tistu tinha um dedo verde e era só enfiá-lo na terra para que plantas brotassem a torto e a direito. Só que dedo verde rima com terra, que rima com sujeira, coisas absolutamente proibidas na casa em que o menino morava.
Hoje em dia, vivemos uma certa "síndrome de casa de Tistu": ninguém pode se sujar, brincar na terra ou na areia, que já vem uma avó, mãe, pai ou babá trocar a camiseta, o short, o que for. Chuva, então? Saia daí, menino, senão você pega um resfriado! Passeio, só em shopping, porque ninguém se suja e tem banheiro fácil.
Dessa maneira, vamos perdendo o contato com o que resta de natureza na nossa cidade. E até o contato com a natureza precisa ser de um jeito limpinho, domado, aparado. Não pode ter um matinho, uma erva daninha, uma coisa assim diferente, que o povo já vai lá arrancar, pentear, arrumar.
Vamos brincar de Tistu? Fazer mudas, deixar crescer brotos em batatas, plantar feijão em pote de iogurte, sujar um pouco a casa? Estamos precisando de verde, assim como a cidade.

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