São Paulo, terça-feira, 02 de setembro de 2008
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Vale a pena saber

FÍSICA

Um cafezinho frio pode se esquentar novamente?

HUGO CARNEIRO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

É possível que um cafezinho frio possa espontaneamente tornar-se quente novamente? Antes de respondermos a esta pergunta, cuja resposta parece óbvia, vamos analisar a situação utilizando a termodinâmica, área da física que estuda a dinâmica do calor. Sabemos, por experiência, que se colocarmos um corpo quente junto a um corpo frio, a temperatura do quente diminui e a do frio aumenta, até chegarmos a um estado em que a temperatura dos dois corpos é a mesma. Este estado é chamado de equilíbrio térmico. Mas por que os corpos em diferentes temperaturas colocados em contato tendem a essa condição? Para entender essa questão, precisamos compreender o conceito de temperatura, que está associado à média da energia de vibração (energia cinética) das partículas que constituem os corpos. Quanto maior a temperatura de um corpo, maior o estado de vibração de suas partículas. No caso do cafezinho, os átomos e moléculas do líquido (maior temperatura) transferem energia cinética para os átomos e moléculas do ar em torno do café (menor temperatura), diminuindo sua própria energia. Podemos, ainda, pensar da seguinte maneira: o número de possibilidades relacionadas à transferência de energia do café para o ar é muito maior do que aquele associado à transferência de energia do ar para o café, uma vez que os átomos do café estão vibrando mais intensamente do que aqueles do ar. Observe que isso define uma única seqüência temporal para o processo, impedindo a ocorrência no sentido inverso. Tais processos são chamados de irreversíveis, e admitimos, na física, que todo processo natural é desse tipo. A impossibilidade de os processos naturais acontecerem no sentido inverso é conhecida como segunda lei da termodinâmica. Além disso, como esses processos acontecem apenas em um sentido temporal, é possível definir o que os físicos chamam de seta do tempo. A única maneira de reverter um processo natural, ou seja, devolvê-lo ao seu estado inicial, é fornecendo energia ao sistema. Podemos recuperar a temperatura inicial do café aquecendo-o no fogão. É praticamente impossível que o estado microscópico (atômico) inicial do cafezinho seja o mesmo, pois, sendo a temperatura uma média, existe um número muito grande de configurações de energia para cada partícula associadas a uma mesma temperatura. No final do século 19, o físico austríaco Ludwig Boltzmann percebeu que essa singularidade dos processos naturais podia ser reconhecida como uma característica estatística dos estados termodinâmicos e, a partir daí, iniciou-se a busca pela compreensão desses fenômenos em uma nova área da física, chamada de mecânica estatística. Nela, admite-se como possível o ar esquentar espontaneamente o café. Porém, a probabilidade de isso acontecer é infimamente pequena, e o tempo necessário para isso ocorrer é infinitamente grande, maior do que a idade do Universo, em torno de 15 bilhões de anos. Portanto, embora a termodinâmica responda, com absoluta certeza, negativamente nossa questão, a mecânica estatística não garante essa resposta. As conseqüências da irreversibilidade dos processos naturais para a história do Universo são dramáticas: nos processos naturais, uma parte da energia não pode ser reaproveitada, o que significa que em algum momento da vida do Universo não haverá nenhuma forma de energia aproveitável e ele entrará em equilíbrio térmico, o que impedirá qualquer tipo de transformação de energia. Será a morte térmica do Universo. Aceita um cafezinho?

HUGO CARNEIRO REIS é doutor em ciências pela USP e professor do colégio Móbile

hcarneiro123@terra.com.br



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