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REDAÇÃO
Conteúdo fraco prejudica texto
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Do ponto de vista da macroestrutura, o redator consegue criar um texto organizado,
com introdução, desenvolvimento e conclusão. Parece, entretanto, ainda um tanto preso
a um modelo escolar, que revela mais a preocupação com o
julgamento do examinador do
que comprometimento com o
tema em debate.
Não se pode ignorar que o
candidato a um exame vestibular tenha mesmo a preocupação de "acertar". Ocorre, porém, que o peso atribuído à redação nas provas se explica pelo fato de o modo de elaborar
um texto atestar o grau de maturidade intelectual do estudante (e nisso se incluem não
só a quantidade de informações
mas, sobretudo, a capacidade
de formar um juízo autônomo
com base nelas).
Por esse motivo, o aluno deve
ir além das estratégias de construção de texto que, muitas vezes, aprende nas aulas. Num
primeiro momento, elas são importantes, mas é preciso avançar. A forma aparentemente
acertada não substitui a falta de
conteúdo ou de envolvimento
na discussão em pauta.
É fácil observar o modelo seguido pelo redator: introdução
por definição (o que é útil dada a
natureza do tema -vivissecção
é um termo relativamente pouco conhecido), dois argumentos
(o favorável e o contrário) e uma
conclusão em que busca conciliar os dois lados da questão.
Existem, todavia, problemas.
Na segunda frase do texto, o redator procura extrair da própria
definição a polêmica que envolve o tema, o que soa muito artificial. Além disso, a afirmação
sobre o número de animais sacrificados é ingênua -melhor
seria enfatizar o sofrimento
desses animais, fato que está na
raiz do debate.
No segundo parágrafo, o estudante ensaia uma discussão filosófica. Ganharia mais se usasse esse conteúdo no parágrafo inicial, tornando mais consistente a introdução do texto.
Ao tratar dos cientistas favoráveis à prática (que são a maioria), afirma que eles consideram
o uso da técnica imprescindível
ao estudo de "várias espécies".
Poderia ter mencionado a espécie humana, afinal é daí que provém a força desse argumento (a
necessidade de salvar vidas, a
evolução da ciência no combate
às doenças etc.). Igualmente,
faltou desenvolver o outro lado,
mostrando os outros argumentos.
De modo geral, o redator
apresenta baixo comprometimento com o tema. A conclusão, iniciada pela fórmula de
coesão "Decorre do que foi exposto a conclusão de que...",
também está artificial, sobretudo porque essa expressão (de
tom eloqüente) é seguida de
uma afirmação inconsistente
("não cabe a uma pessoa, isoladamente, proibir ou permitir a
vivissecção"). Ninguém pensa
em debater a possibilidade de
"alguém" tomar uma decisão
isoladamente -o tema está em
discussão na sociedade.
Finalmente, a busca de "conciliação entre as partes" remete
à terminologia jurídica ("partes" são os atores de um processo judicial), o que é inadequado
ao contexto. Pior que isso, entretanto, é o autor não se posicionar diante do tema.
THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e
"Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha
Online e do site gazetaweb.globo.com/
thaisncamargo@uol.com.br
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