São Paulo, terça-feira, 06 de novembro de 2007
  Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REDAÇÃO

Conteúdo fraco prejudica texto

THAÍS NICOLETI DE CAMARGO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Do ponto de vista da macroestrutura, o redator consegue criar um texto organizado, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Parece, entretanto, ainda um tanto preso a um modelo escolar, que revela mais a preocupação com o julgamento do examinador do que comprometimento com o tema em debate.
Não se pode ignorar que o candidato a um exame vestibular tenha mesmo a preocupação de "acertar". Ocorre, porém, que o peso atribuído à redação nas provas se explica pelo fato de o modo de elaborar um texto atestar o grau de maturidade intelectual do estudante (e nisso se incluem não só a quantidade de informações mas, sobretudo, a capacidade de formar um juízo autônomo com base nelas).
Por esse motivo, o aluno deve ir além das estratégias de construção de texto que, muitas vezes, aprende nas aulas. Num primeiro momento, elas são importantes, mas é preciso avançar. A forma aparentemente acertada não substitui a falta de conteúdo ou de envolvimento na discussão em pauta.
É fácil observar o modelo seguido pelo redator: introdução por definição (o que é útil dada a natureza do tema -vivissecção é um termo relativamente pouco conhecido), dois argumentos (o favorável e o contrário) e uma conclusão em que busca conciliar os dois lados da questão. Existem, todavia, problemas.
Na segunda frase do texto, o redator procura extrair da própria definição a polêmica que envolve o tema, o que soa muito artificial. Além disso, a afirmação sobre o número de animais sacrificados é ingênua -melhor seria enfatizar o sofrimento desses animais, fato que está na raiz do debate.
No segundo parágrafo, o estudante ensaia uma discussão filosófica. Ganharia mais se usasse esse conteúdo no parágrafo inicial, tornando mais consistente a introdução do texto.
Ao tratar dos cientistas favoráveis à prática (que são a maioria), afirma que eles consideram o uso da técnica imprescindível ao estudo de "várias espécies".
Poderia ter mencionado a espécie humana, afinal é daí que provém a força desse argumento (a necessidade de salvar vidas, a evolução da ciência no combate às doenças etc.). Igualmente, faltou desenvolver o outro lado, mostrando os outros argumentos.
De modo geral, o redator apresenta baixo comprometimento com o tema. A conclusão, iniciada pela fórmula de coesão "Decorre do que foi exposto a conclusão de que...", também está artificial, sobretudo porque essa expressão (de tom eloqüente) é seguida de uma afirmação inconsistente ("não cabe a uma pessoa, isoladamente, proibir ou permitir a vivissecção"). Ninguém pensa em debater a possibilidade de "alguém" tomar uma decisão isoladamente -o tema está em discussão na sociedade.
Finalmente, a busca de "conciliação entre as partes" remete à terminologia jurídica ("partes" são os atores de um processo judicial), o que é inadequado ao contexto. Pior que isso, entretanto, é o autor não se posicionar diante do tema.


THAÍS NICOLETI DE CAMARGO, autora dos livros "Redação Linha a Linha" (Publifolha) e "Uso da Vírgula" (Manole), é colunista da Folha Online e do site gazetaweb.globo.com/
thaisncamargo@uol.com.br


Texto Anterior: Calendário
Próximo Texto: Fique por dentro
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.