São Paulo, quinta-feira, 07 de novembro de 2002
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QUÍMICA

O "gás dos nervos" e a química do mal

LUÍS FERNANDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há poucos dias, terroristas tchetchenos tomaram um teatro em Moscou com mais de 700 pessoas. Ameaçavam explodi-lo, se não fosse atendida sua exigência: o fim da guerra na Tchetchênia.
Então o Exército russo entrou em ação. Utilizando um gás tóxico (que os russos dizem ser fentanyl, um anestésico derivado do ópio), invadiu o teatro e resgatou os reféns. Mas nem tudo deu certo. Mais de 500 reféns estão hospitalizados e mais de cem morreram. Foram os efeitos do tal gás.
Armas como essa são o lado negro de uma das mais belas ciências: a química. Nesse campo, um gás se destaca: o sarin, chamado de "gás dos nervos". Criado na década de 30 pelo químico alemão Gerhard Schrader, quando ele estudava inseticidas feitos com fósforo, esse gás foi testado nos prisioneiros dos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas Hitler nunca o utilizou em combate. Por ser muito fácil de ser feito, ele tinha certeza de que os aliados também sabiam como prepará-lo e de que não hesitariam em dar o troco. Detalhe: os aliados não sabiam da existência do sarin.
Em abril de 1995, os usuários do metrô de Tóquio não tiveram a mesma sorte dos aliados. Membros de uma seita apocalíptica contaminaram alguns vagões com o "gás dos nervos". As cenas foram horríveis. Pessoas tossiam, cambaleavam e caíam. Deitadas, contorciam-se e espumavam pela boca. Resultado: mais de 5.000 intoxicados e 12 mortos.
O sarin é tão tóxico que uma cidade com 1 milhão de pessoas pode ser dizimada espalhando-se apenas um quilo desse gás no ar! Sua molécula é formada de um átomo central de fósforo com quatro ligantes: o flúor, o oxigênio, o metila e o radical isopropóxi, que geram a fórmula : (CH3)2- CHO-P-(CH3)FO. Ele mata porque inibe a enzima colinesterase. Essa enzima anula os efeitos da acetilcolina, substância responsável pela transmissão dos impulsos nervosos. Uma vez feito seu serviço, a acetilcolina deve ser removida. Com a colinesterase inibida pelo sarin, sobra muita acetilcolina, o que faz os músculos se contraírem incontrolavelmente. Por isso ocorrem as convulsões ou, quando os pulmões e o coração são atingidos, até a morte.
Nos estágios iniciais da intoxicação, ainda há um antídoto: a atropina, substância que libera a enzima bloqueada. Mas, para as mais de cem vítimas na Rússia, nenhum antídoto chegou a tempo de salvar suas vidas.


Luís Fernando Pereira é professor do curso Intergraus e coordenador de química do sistema Uno/ Moderna. E-mail: lula5@ig.com.br



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