São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002
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AS VILÃS DO VESTIBULAR

Falta de ligação com o cotidiano causa desinteresse

DESEMPENHO EM EXATAS DEPENDE TAMBÉM DE CONHECIMENTO ACUMULADO PELO ESTUDANTE

ANDRÉ NICOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu odeio números", diz a estudante Marcela Polido Serra, 16. Já sua amiga Milena Rachel de Queiroz, 17, afirma não ver aplicação prática para a física e a matemática. As duas, assim como grande parte dos vestibulandos, afirmam que matemática, física e química são as que mais causam problemas na hora de estudar.
Nos cinco últimos vestibulares da Fuvest, física sempre esteve entre as três matérias com pior desempenho médio na primeira fase, química esteve por quatro vezes e matemática por duas. No ano passado, matemática foi a disciplina em que os estudantes foram pior na primeira fase.
A falta de ligação do que é ensinado com aplicações práticas no cotidiano do estudante é uma das principais causas da falta de interesse dos alunos pelas matérias de exatas, o que ocasiona o mau desempenho nessas disciplinas.
"O aluno, quando não vê sentido no que é ensinado, tende a esquecer a matéria, porque ninguém guarda algo que não será usado. Essas matérias têm um sentido, mas ele não é mostrado em sala de aula", disse Marcelo Lellis, professor e autor de livros didáticos de matemática.
"Acho que não consigo entender física por causa do meu comodismo. Se fizesse exercícios todos os dias, acho que iria melhor, mas não me interesso pela matéria", disse Kelly Vilela, 22, que tentará um vaga em gastronomia.
As aplicações práticas da matemática, física e química, segundo especialistas, não são apresentadas em sala devido, muitas vezes, à baixa qualidade da formação dos professores. "Eu mesmo não vi nada na faculdade sobre aplicações práticas da química. Tive de ir atrás disso por minha conta", disse o professor Luís Fernando Pereira, formado na USP.
Segundo ele, como alguns professores não entram em contato com o dia-a-dia das matérias, acabam ensinando uma "ciência feia" para os alunos.
"Eu não gosto de exatas e, por isso, não estudo nada fora da sala de aula", disse Vanessa Harima, 20, que fez colégio técnico em publicidade e só teve matemática, física e química no primeiro ano do ensino médio.
Pablo Ramos Machado, 22, também fez colégio técnico. Ele não sofre muito com matemática porque teve a matéria nos quatro anos do colégio, mas considera química "cruel". "Só tive balanceamento químico e olhe lá", disse ele, que tentará uma vaga em engenharia. Ele está revisando as matérias exatas desde o início e dá menos atenção para as humanas.
O baixo desempenho de Vanessa e Machado talvez se deva ao chamado conhecimento cumulativo. O encadeamento lógico dos conteúdos em exatas faz com que o aluno, se não souber uma parte fundamental da matéria, não aprenda as que vierem em seguida. "Se o estudante não souber somar, ele não saberá multiplicar e assim por diante", diz o professor da FGV-RJ Elon Lages Lima.
Segundo ele, para que o estudante entenda as matérias exatas, ele tem de ter mais atenção e perseverança do que em outras disciplinas, pois elas exigem mais raciocínio lógico e, às vezes, demandam que um exercício seja refeito. Além disso, segundo Lima, ter um "talento" pessoal para a área também ajuda o estudante a absorver mais facilmente os conteúdos.

Linguagem
A linguagem utilizada na matemática, na física e na química é outro fator que contribui para amedrontar o vestibulando. "Em matérias de humanas, a linguagem e o raciocínio utilizados são os mesmos do dia-a-dia do aluno. A matemática, por sua vez, tem uma linguagem própria", disse o coordenador da área de exatas do Etapa, Élio Mega. Segundo ele, uma forma de combater a rejeição às exatas é tentar "desmatematizar", quando possível, as matérias. "O professor pode levar bolinhas, por exemplo, e contextualizar o assunto em vez de só apresentar as fórmulas."
Luiz Carlos Gomes, professor do Instituto de Física da USP e membro da Câmara Curricular e de Vestibular da universidade -órgão que sugere mudanças na Fuvest- disse que a tendência é que a primeira fase da Fuvest cubra mais a parte qualitativa e as ligações com o dia-a-dia.



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