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Crítica/cinema/"Meu Nome Não É Johnny"
"Johnny" complementa "Tropa de Elite"
Versão de livro-reportagem de Guilherme Fiuza faz a ligação entre crime e dinheiro da classe média no tráfico carioca
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
No início dos anos 90, "a
cocaína tinha entrado
na corrente sangüínea
da cidade", escreve o jornalista
Guilherme Fiuza em seu ótimo
livro-reportagem "Meu Nome
Não É Johnny" (editora Record). Esta circulação, que conduziu um jovem de classe média a satisfazer sua ambição de ascensão pela via única do tráfico, ganha cores e sons ainda à
altura na versão para o cinema.
Para quem não se identificou
apenas com o desejo de extermínio do capitão Nascimento
em "Tropa de Elite", "Johnny"
torna ainda mais claro como
funciona o outro pólo de uma
história já nossa velha conhecida, em que muito crime combina com pouco castigo.
Sem se deter demasiado em
interpretações sociológicas, o
filme acaba por enfatizar a "polêmica" a respeito da participação da classe média enquanto
cúmplice na ascensão do tráfico no Rio nas últimas décadas.
Entretanto, de modo menos
ambicioso que "Tropa", que
tenta esboçar o mecanismo
desta cumplicidade "inconsciente" ao denunciar sua base
mercantil, "Johnny" expõe
mais diretamente o poder econômico de transformação social da droga ao se concentrar
na trajetória de seu personagem central. O fato de João Estrella ser um garoto como outro
qualquer, no Rio dos anos 70,
fornece o acréscimo de autenticidade (e de culpa) a esse relato.
Neste sentido, "Johnny"
complementa o painel histórico, social e criminal do tráfico
feito em "Cidade de Deus" e em
"Tropa de Elite", dando a ele o
elo que, nestas ficções, aparecia
apenas de modo episódico. O
jovem comum de classe média
é o elemento que faz a circulação, que reúne as duas pontas
que se alimentam e se abastecem: a do crime e a da grana.
Ainda uma vez, porém, a ficção dá um jeito de limpar a barra do espectador, para o qual a
trajetória de ascensão e queda
de João Estrella é oferecida
dentro dos critérios da narrativa clássica, com sua lição de
moral inequívoca na figura da
culpa e da redenção.
Crônica social
De resto, "Johnny" recupera
um tipo de cinema bastante salutar em suas ambições comerciais, numa clara inspiração no
modelo do qual Antônio Calmon foi prodigioso nos anos 70
e 80. Sem precisar decalcar os
modos dramatúrgicos de televisão, o filme recupera o formato de crônica social, com personagens multifacetados e uma
dinâmica narrativa bastante
eficaz (que o roteiro, assinado
pelo diretor Mauro Lima e pela
produtora Mariza Leão, guarda
da estrutura do livro que lhe
deu origem).
Quando Calmon migrou para
a TV, o cinema brasileiro perdeu parte de sua habilidade em
oferecer, sem pretensões, ao
público jovem de classe média
filmes capazes de traduzir o espírito de época. Havia naqueles
filmes também uma vocação de
se comunicar com quem vai ao
cinema, sem para isso adotar a
via de mão única do escapismo.
Com excelente acabamento
técnico e eficiência narrativa,
"Johnny" busca restabelecer,
de modo semelhante, esta comunicabilidade de um modo
profissional, sem ambições
desmesuradas e até com uma
pitada de consciência social.
Para quem se queixa que o cinema brasileiro só mostra sertanejo e favelado, vem suprir a
falta de um personagem à sua
imagem e semelhança.
MEU NOME NÃO É JOHNNY
Direção: Mauro Lima
Produção: Brasil, 2007
Com: Selton Mello, Cléo Pires
Quando: pré-estréias a partir de hoje
no Eldorado, Bristol, Shopping D e circuito; estréia na próxima sexta
Avaliação: bom
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