São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Da esq. para a dir., André Torguato, Clara Verdier, Daniel Lobue, Isabel Alves de Lima, Isabelle Gollan e Julia Gomes, alguns dos selecionados para o musical

Quero ser um Von Trapp

A produção de "A Noviça Rebelde" selecionou, entre 3.000 crianças, as que estreiam, em março, o musical em SP; Isabel,Isabela e Isabelle, Julia e Juliane, Maryana, Renan, Larissa e Manoela disputaram, cantando, um lugar ao sol; 17 delas chegaram lá

No início do mês, o ator-mirim Renan Cuisse, 11, pediu que os pais comprassem uma vela de 1,49 m. Estava às vésperas do primeiro ensaio das crianças da montagem paulistana do musical "A Noviça Rebelde", que estreia em 15 de março, e ainda não tinha pagado uma promessa que fez para entrar na peça. "Prometi que levaria uma vela do meu tamanho à igreja se eu conseguisse", diz.

 

Renan, que mora em São Bernardo, diz que sonhava trabalhar com os atores Saulo Vasconcelos e Kiara Sasso, astros do espetáculo. Ele se apaixonou pela dupla em "O Fantasma da Ópera", a que assistiu "1.010 vezes". Mandou currículo para a versão carioca da "Noviça", que estreou em maio passado e foi vista por mais de 130 mil espectadores no Rio. A produção pediu que ele esperasse que a peça fosse para São Paulo.

 

Na capital paulista, a seleção aconteceu entre outubro e dezembro passados. Depois de analisar 3.000 currículos de pessoas entre cinco e 18 anos- e eliminar negros e orientais, já que a família da "Noviça" é da Áustria-, e de ouvir 500 candidatos, a produção classificou 36 para uma audição no teatro Alfa, na zona sul. Renan era um deles. E foi um dos 17 selecionados que vão trabalhar na peça.

 

O garoto começou a "carreira artística" há três anos, ao enviar um currículo para a produção de Xuxa e ser escolhido para figurar em atrações do programa. Depois disso, participou de cinco peças, como "Peter Pan" e "Parque Musical do Barney". Ao ser aprovado na primeira etapa da "Noviça", começou a ensaiar canto uma vez por semana e a ver a versão cinematográfica da história todos os dias. A mãe, Susi, largou o trabalho como secretária de escola há algum tempo para "ser mãe" e acompanhar o filho.

 

Uma das dificuldades dos testes foi convencer as meninas que participariam da seleção a comparecerem ao teatro de saias e laços na cabeça. "Hoje em dia, as meninas são muito sexualizadas. Vêm maquiadas, de legging colorida, miniblusa. É complicado pedir para uma criança se vestir de criança", diz o diretor Charles Möeller. Ele conta que uma delas, sem nenhum vestido no guarda-roupa, acabou apelando para uma fantasia da personagem Wendy que usou em uma peça de "Peter Pan" na escola.

 

Na última audição, as crianças foram avaliadas em sextetos, para ver se conseguiam cantar em harmonia. Cada grupo era uma formação da família Von Trapp, núcleo principal da peça, com seis filhos. Os pais dos candidatos ficavam do lado de fora. Diante dos avaliadores, algumas crianças -principalmente as meninas menores- esfregavam as mãos, nervosas.

 

Muitas delas vêm de agências de talentos. Juliane Oliveira, 8, que na primeira audição cantou o axé "Bola de Sabão", de Claudia Leitte, conseguiu uma das vagas. Desde bebê, ela trabalha em comerciais. Os pais a levaram para um teste de uma propaganda de fraldas, "de tanto uma amiga da família insistir", diz a mãe, a dona-de-casa Rosinei Oliveira. "A Ju era modelo desde a minha barriga: minha médica me levava aos cursos e palestras que dava e analisava imagens de ultrassom da Juliane nessas aulas. Eu ganhava cachê e exames de graça."

 

Juliana já fez mais de 310 trabalhos em publicidade, uma ponta na novela "Revelação" e chegou à "Noviça" por indicação da agência. Sem saber cantar, começou a ensaiar na frente do espelho. "Mesmo que não passasse, ela tinha que fazer bonitinho, para não se queimar", diz a mãe. Ao chegar ao teste, um susto. "Sou leiga nesse negócio de teatro e não tinha noção de que era uma peça tão grande. Mas ela ficou tranquila." E foi aprovada.

 

A "vida de artista" dos filhos é comum nas conversas dos pais, com frases como "A sua já fez o teste da [grife infantil] Lilica Ripilica? É o sonho de toda menina". Quase todas que já têm alguma "experiência" passaram também pelo "teste das fraldas Pampers". O dinheiro do trabalho das crianças ajuda no orçamento, principalmente para bancar os cursos que elas mesmas fazem. A empresária Christiani Gomes, por exemplo, gasta R$ 1.000 por mês em aulas de teatro, violino, canto e xadrez para a filha Julia, 6, que também começou anunciando fraldas com um ano de idade, depois que um olheiro abordou a mãe em um shopping.

 

Selecionada para a "Noviça", Julia teve que ir à praia, no Réveillon, com o corpo coberto de protetor solar fator 70 e pomada Hipoglós para continuar com a pele bem branquinha, como os austríacos Von Trapp. "Quero ficar um ano em cartaz", diz o diretor Charles Möeller- período no qual os pequenos não poderão tomar sol.


Reportagem DIÓGENES CAMPANHA


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