São Paulo, quarta-feira, 01 de março de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Brad Mehldau coroa versão world music do Heineken

William Klaxton/Reprodução
O pianista norte-americano Brad Mehldau e a cantora holandesa Fleurine, que vêm ao Heineken Concerts em abril



Festival de música que acontece em abril tem ainda o argelino Khaled, o malinês Salif Keita e a cabo-verdense Cesaria Évora


especial para a Folha

O público paulistano poderá ouvir ao vivo, antes do que se esperava, um dos músicos de jazz mais comentados da atualidade. O pianista norte-americano Brad Mehldau está entre as atrações do Heineken Concerts, que divulgou ontem sua programação (veja quadro nesta página).
Com destaque crescente nos maiores eventos do gênero, Mehldau tem sido comparado a superastros do piano, como os jazzistas Bill Evans e Keith Jarrett ou o erudito Glenn Gould.
A organização do Free Jazz chegou até a anunciar Mehldau entre as possíveis atrações de sua edição 2000. O pivô dessa troca de festivais é a cantora holandesa Fleurine, que estará ao lado de Mehldau, no Heineken Concerts.
Os dois acabam de lançar, nos EUA e na Europa, um álbum em duo. Só o nome de Fleurine consta na capa de "Close Enough for Love" (EmArcy/Universal), mas Mehldau, que é contratado da Warner, toca piano em todas as faixas, além assinar a produção junto com a cantora.
Em entrevista à Folha por telefone, de Amsterdã, Fleurine diz logo que sente "muita saudade do Brasil", apesar de jamais ter estado aqui antes.
"Sempre tive a sensação de já conhecer o Brasil. Quando ouvi música brasileira pela primeira vez, aos 12 anos, me pareceu familiar", diz ela, explicando seu ato falho em português, com um leve sotaque lusitano e algumas palavras em espanhol.
A paixão despertada pelos discos de Elis Regina, Tom Jobim e Djavan levou-a a tomar aulas de português com Lilian Vieira, uma cantora brasileira radicada na Holanda. No início dos anos 90, Fleurine já cantava MPB em português, num bar frequentado por brasileiros, em Amsterdã.
Nem o fato de sua carreira ter se voltado para o jazz diminuiu a ligação de Fleurine com o Brasil. Em "Meant to Be", seu primeiro álbum (lançado em 1996), ela cantou em português letras que escreveu para composições do norte-americano Tom Harrell e do uruguaio José Lopretti.
Acompanhada naquele CD por feras do jazz, como Christian McBride e Renee Rosnes, com produção de Don Sickler, Fleurine ingressou no circuito dos grandes festivais de jazz, como Montreal, Umbria e North Sea.
"Sempre que eu cantava algo em português, a platéia gostava. Assim, perdi o receio de cantar nessa língua. Além disso, a música que eu canto tem influência do Brasil, mas é uma coisa diferente. É minha mesmo", diz.
O romance musical e pessoal entre a cantora e o pianista começou no verão de 1997. "Foi o destino. Em vários festivais, os shows do Brad e os meus estavam marcados para as mesmas noites. Assim nos conhecemos melhor."
Comentando o conceito musical do CD "Close Enough for Love", cujo repertório vai orientar boa parte da apresentação que a dupla fará no Teatro Alfa, Mehldau ressalta o caráter intimista dessa gravação.
"Ela tem uma intimidade particular, que vem do duo de voz e piano. Há um amor pela canção expresso na escolha do material, mas as canções não são de um único estilo. Composições inéditas, canções em português, em francês e em inglês sentam-se perto das outras confortavelmente", descreve.
Segundo o pianista, a idéia de recriar no CD hits de Jimi Hendrix e da banda pop Supertramp (assim como já tinha gravado uma canção da banda Radiohead) aponta para um enriquecimento do repertório jazzístico.
"Há muita música para se extrair. O jazz não tem mais qualquer relação clara com um tipo específico de música popular, como já houve. Isso é bom. Significa mais opções, mais possibilidades", diz Mehldau.
Essa visão abrangente leva o pianista a criticar duramente a onda de "tributos" e "projetos" (como as inúmeras gravações de obras do centenário Duke Ellington), que vêm dominando o mercado do jazz.
"É uma nostalgia que se torna doentia, quanto mais se afasta do presente. A percepção do público comprador de discos pode ser influenciada negativamente, se ele pensar que nostalgia é tudo o que há no jazz", argumenta.
Na opinião de Mehldau, essa nostalgia doentia não se limita apenas ao jazz.
O buraco seria mais embaixo: um fenômeno que começa na apatia política.
"As pessoas não acreditam mais que a política possa mudar o mundo. Então retrocedem a um tipo particular de nostalgia, recordando um mundo fictício, na TV. É a trapaça de uma mídia cínica, que supre as pessoas com essas imagens para mantê-las comprando seus produtos."
(CARLOS CALADO)

Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Dupla consegue extrair bom jazz da música pop
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.