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CRÍTICA
Longa é amontoado de clichês sem segredos
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
A clareza da trama não é requisito imprescindível num
filme policial. Tanto que é difícil
resumir a trama de "O Falcão
Maltês" mesmo depois de assisti-lo pela terceira vez. O gênero se
apóia em tipos (o detetive durão,
a prostituta romântica, a beldade
misteriosa), ambientes (a boate
enfumaçada, a cidade escura e deserta) e situações (a surra, o assassinato) para gerar suspense.
"Bellini e a Esfinge" é um amontoado de clichês do gênero policial que não gera nenhum suspense. E não apenas porque sua
trama ziguezagueia entre o artificialismo e a confusão. Falta-lhe o
requisito, esse sim essencial, da
verossimilhança.
Numa sequência, por exemplo,
a detetive Dora Lobo (Eliana
Guttman) segue de carro, à sorrelfa, a milionária Sofia Rafidijian
(Rosaly Papadopol) até um restaurante, onde grava o que conversa com um desconhecido.
Seria uma sequência corriqueira, não fosse pelos seguintes rombos de lógica:
* Dora segue sua presa num
BMW branco de capota preta: um
carro tão discreto quanto um caminhão de bombeiros.
* Apesar de não querer ser vista
por Sofia, Dora senta-se a poucos
metros dela.
* Como as duas se conheciam
previamente, a milionária teria
forçosamente de ver a detetive.
Mas Sofia não a vê, parece cega.
* Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Dora manda que
um garçom bote um pequeno
gravador num arranjo de flores e
o coloque sobre a mesa de Sofia.
Nada indica que a detetive já conhecesse o garçom, que recebe R$
50 no ato, à vista dos presentes.
* O gravadorzinho, um modelo
barato, é daqueles que faz um
"cléque" eloquente quando a fita
chega ao fim, depois de meia hora
de gravação. Nem Sofia nem seu
interlocutor ouvem o ruído.
* Por fim, Dora havia sido contratada pela própria Sofia para
elucidar o assassinato de seu marido. Para obter a informação que
conseguiu com a gravação do almoço, a detetive poderia simplesmente perguntar à milionária, sua
cliente. A sequência, portanto,
além de implausível e ilógica, é
inútil.
As interpretações do elenco são
tão forçadas quanto o roteiro de
"Bellini". O espectador sabe que
brasileiros reais não falam, não
andam, não gesticulam nem se
comportam como os personagens do filme de Roberto Santucci
Filho. A falsidade e o artificialismo imperam.
Mas, como foi todo rodado em
locações, "Bellini" tem um pano
de fundo marcadamente nacional: são brasileiras as figurantes,
as ruas paulistas de paralelepípedos e os anúncios em neon de
"Bellini". O realismo dá o tom.
O que emerge do choque de falsidade e realismo é um filme brasileiro que busca mimetizar o modelo americano do gênero policial. Ele retém da matriz americana apenas os tipos, situações e cenários. Mas a alma de "Bellini" é
bem brasileira: personagens perdidos e ridículos, estrangeiros de
si mesmos, andando às tontas em
ambientes sórdidos.
Nesse pandemônio em que a
única emoção verdadeira é o tédio, a exceção surge onde menos
se espera: em Malu Mader, atriz
de televisão cujos recursos dramáticos franciscanos justificam
sua esquálida carreira cinematográfica.
Quando ela aparece, o filme sai
da letargia, adquire vida. Branca,
bela, sorridente e parcialmente
nua, Malu Mader é mais um ícone
do que propriamente um personagem. É a esfinge de verdade de
"Bellini". Pena que apareça tão
pouco.
Bellini e a Esfinge
Direção: Roberto Santucci Filho
Produção: Brasil, 2001
Com: Fabio Assunção, Malu Mader
Quando: a partir de hoje nos cines Belas
Artes, Jardim Sul, Morumbi e circuito
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