São Paulo, sexta-feira, 01 de março de 2002

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CRÍTICA

Longa é amontoado de clichês sem segredos

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

A clareza da trama não é requisito imprescindível num filme policial. Tanto que é difícil resumir a trama de "O Falcão Maltês" mesmo depois de assisti-lo pela terceira vez. O gênero se apóia em tipos (o detetive durão, a prostituta romântica, a beldade misteriosa), ambientes (a boate enfumaçada, a cidade escura e deserta) e situações (a surra, o assassinato) para gerar suspense.
"Bellini e a Esfinge" é um amontoado de clichês do gênero policial que não gera nenhum suspense. E não apenas porque sua trama ziguezagueia entre o artificialismo e a confusão. Falta-lhe o requisito, esse sim essencial, da verossimilhança.
Numa sequência, por exemplo, a detetive Dora Lobo (Eliana Guttman) segue de carro, à sorrelfa, a milionária Sofia Rafidijian (Rosaly Papadopol) até um restaurante, onde grava o que conversa com um desconhecido.
Seria uma sequência corriqueira, não fosse pelos seguintes rombos de lógica:
* Dora segue sua presa num BMW branco de capota preta: um carro tão discreto quanto um caminhão de bombeiros.
* Apesar de não querer ser vista por Sofia, Dora senta-se a poucos metros dela.
* Como as duas se conheciam previamente, a milionária teria forçosamente de ver a detetive. Mas Sofia não a vê, parece cega.
* Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Dora manda que um garçom bote um pequeno gravador num arranjo de flores e o coloque sobre a mesa de Sofia. Nada indica que a detetive já conhecesse o garçom, que recebe R$ 50 no ato, à vista dos presentes.
* O gravadorzinho, um modelo barato, é daqueles que faz um "cléque" eloquente quando a fita chega ao fim, depois de meia hora de gravação. Nem Sofia nem seu interlocutor ouvem o ruído.
* Por fim, Dora havia sido contratada pela própria Sofia para elucidar o assassinato de seu marido. Para obter a informação que conseguiu com a gravação do almoço, a detetive poderia simplesmente perguntar à milionária, sua cliente. A sequência, portanto, além de implausível e ilógica, é inútil.
As interpretações do elenco são tão forçadas quanto o roteiro de "Bellini". O espectador sabe que brasileiros reais não falam, não andam, não gesticulam nem se comportam como os personagens do filme de Roberto Santucci Filho. A falsidade e o artificialismo imperam.
Mas, como foi todo rodado em locações, "Bellini" tem um pano de fundo marcadamente nacional: são brasileiras as figurantes, as ruas paulistas de paralelepípedos e os anúncios em neon de "Bellini". O realismo dá o tom.
O que emerge do choque de falsidade e realismo é um filme brasileiro que busca mimetizar o modelo americano do gênero policial. Ele retém da matriz americana apenas os tipos, situações e cenários. Mas a alma de "Bellini" é bem brasileira: personagens perdidos e ridículos, estrangeiros de si mesmos, andando às tontas em ambientes sórdidos.
Nesse pandemônio em que a única emoção verdadeira é o tédio, a exceção surge onde menos se espera: em Malu Mader, atriz de televisão cujos recursos dramáticos franciscanos justificam sua esquálida carreira cinematográfica.
Quando ela aparece, o filme sai da letargia, adquire vida. Branca, bela, sorridente e parcialmente nua, Malu Mader é mais um ícone do que propriamente um personagem. É a esfinge de verdade de "Bellini". Pena que apareça tão pouco.


Bellini e a Esfinge  
Direção: Roberto Santucci Filho
Produção: Brasil, 2001
Com: Fabio Assunção, Malu Mader
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Jardim Sul, Morumbi e circuito


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