São Paulo, sexta-feira, 01 de março de 2002

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CINEMA

Costa-Gavras ataca silêncio da igreja sobre Holocausto

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O diretor grego Constantin Costa-Gavras disparou novamente sua máquina de polêmicas com "Amen" (Amém), que já foi exibido no Festival de Berlim deste ano e estreou com estardalhaço nos cinemas franceses na última quarta-feira.
O longa-metragem é talvez o mais forte ataque já feito no cinema à política evasiva do Vaticano com relação ao extermínio em massa de judeus.
Na imprensa, "Amen" é destaque obsessivo e objeto de uma série de debates. O jornal "Libération", um dos principais da França, tomou o filme como mote e levou para sua capa a discussão sobre o papel do papa Pio 12 na Segunda Guerra Mundial, pedindo a abertura completa dos arquivos do Vaticano sobre o período (1939-1945). Em 15 de fevereiro, a igreja havia anunciado a liberação, a partir de 2003, de documentos datados de 1922 a 1939. Aqueles que forem posteriores a essa data permanecerão secretos.
No diário "Le Monde", "Amen" foi tema de um editorial, que ressaltou o "mérito" do filme em levar para o grande público a questão do "silêncio" da igreja sobre o Holocausto.
Publicações católicas ou conservadoras, como o jornal "Le Figaro" reagiram à provocação de Costa-Gavras, convocando historiadores para defender Pio 12 (1876-1958, papa entre 1939-1958), cujo processo de beatificação caminha a passos largos. O público lota as salas e aplaude o filme de Costa-Gavras, como já fez com "Z" (1969) e "Estado de Sítio" (1972).
A polêmica em torno de "Amen" começou antes mesmo da estréia, por causa do cartaz do filme. O design de Oliviero Toscani, antigo fotógrafo da Benetton, reuniu num mesmo símbolo a suástica nazista e a cruz cristã, para enquadrar a imagem dos dois protagonistas, o padre jesuíta Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz) e o oficial da SS Kurt Gerstein (Ulrich Tukur).
O cartaz irritou as autoridades católicas. O arcebispo de Bordeaux, Jean-Pierre Ricard, considerou-o uma "identificação intolerável do símbolo da fé cristã com o da barbárie nazista". Uma associação católica moveu processo contra o cartaz, pedindo sua interdição. Perdeu a causa.
"Amen" segue o modelo narrativo consagrado por Costa-Gavras, 63, em seus demais filmes políticos, só que de maneira mais complexa. A ação é febril e emocionante, como sempre, situada num quadro histórico bastante claro. As contradições internas dos fatos e das atitudes, porém, explodem sem parar, dificultando as simplificações.
Não se trata de um filme anticatólico, ainda que seja com certeza anticlerical. O diretor está mais preocupado em questionar a máquina de poder do Vaticano em seus compromissos insondáveis do que em colocar em xeque os princípios da fé.
É esta, aliás, que impulsiona tanto o padre jesuíta quanto o oficial (protestante) da SS, cientista nos campos de extermínio e conspirador contra o plano nazista. Os dois, associados num mesmo ato de responsabilidade moral e religiosa, tentam convencer Pio 12 a fazer uma denúncia pública do Holocausto.
Em vão. As razões históricas do silêncio do papa ainda são objeto de estudos e de controvérsias, que Costa-Gavras não elimina do filme, complicando ainda mais a exposição.
"Amen", contudo, termina em chave denunciatória e pessimista, enfatizando a covardia da igreja e mostrando a sua colaboração com a fuga de nazistas no final da guerra.



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