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CINEMA
Costa-Gavras ataca silêncio da igreja sobre Holocausto
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O diretor grego Constantin
Costa-Gavras disparou novamente sua máquina de polêmicas com "Amen" (Amém), que já
foi exibido no Festival de Berlim
deste ano e estreou com estardalhaço nos cinemas franceses na
última quarta-feira.
O longa-metragem é talvez o
mais forte ataque já feito no cinema à política evasiva do Vaticano
com relação ao extermínio em
massa de judeus.
Na imprensa, "Amen" é destaque obsessivo e objeto de uma série de debates. O jornal "Libération", um dos principais da França, tomou o filme como mote e levou para sua capa a discussão sobre o papel do papa Pio 12 na Segunda Guerra Mundial, pedindo
a abertura completa dos arquivos
do Vaticano sobre o período
(1939-1945). Em 15 de fevereiro, a
igreja havia anunciado a liberação, a partir de 2003, de documentos datados de 1922 a 1939.
Aqueles que forem posteriores a
essa data permanecerão secretos.
No diário "Le Monde", "Amen"
foi tema de um editorial, que ressaltou o "mérito" do filme em levar para o grande público a questão do "silêncio" da igreja sobre o
Holocausto.
Publicações católicas ou conservadoras, como o jornal "Le Figaro" reagiram à provocação de
Costa-Gavras, convocando historiadores para defender Pio 12
(1876-1958, papa entre 1939-1958), cujo processo de beatificação caminha a passos largos. O
público lota as salas e aplaude o
filme de Costa-Gavras, como já
fez com "Z" (1969) e "Estado de
Sítio" (1972).
A polêmica em torno de
"Amen" começou antes mesmo
da estréia, por causa do cartaz do
filme. O design de Oliviero Toscani, antigo fotógrafo da Benetton,
reuniu num mesmo símbolo a
suástica nazista e a cruz cristã, para enquadrar a imagem dos dois
protagonistas, o padre jesuíta Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz) e o oficial da SS Kurt Gerstein
(Ulrich Tukur).
O cartaz irritou as autoridades
católicas. O arcebispo de Bordeaux, Jean-Pierre Ricard, considerou-o uma "identificação intolerável do símbolo da fé cristã
com o da barbárie nazista". Uma
associação católica moveu processo contra o cartaz, pedindo sua
interdição. Perdeu a causa.
"Amen" segue o modelo narrativo consagrado por Costa-Gavras, 63, em seus demais filmes
políticos, só que de maneira mais
complexa. A ação é febril e emocionante, como sempre, situada
num quadro histórico bastante
claro. As contradições internas
dos fatos e das atitudes, porém,
explodem sem parar, dificultando
as simplificações.
Não se trata de um filme anticatólico, ainda que seja com certeza
anticlerical. O diretor está mais
preocupado em questionar a máquina de poder do Vaticano em
seus compromissos insondáveis
do que em colocar em xeque os
princípios da fé.
É esta, aliás, que impulsiona
tanto o padre jesuíta quanto o oficial (protestante) da SS, cientista
nos campos de extermínio e conspirador contra o plano nazista. Os
dois, associados num mesmo ato
de responsabilidade moral e religiosa, tentam convencer Pio 12 a
fazer uma denúncia pública do
Holocausto.
Em vão. As razões históricas do
silêncio do papa ainda são objeto
de estudos e de controvérsias, que
Costa-Gavras não elimina do filme, complicando ainda mais a exposição.
"Amen", contudo, termina em
chave denunciatória e pessimista,
enfatizando a covardia da igreja e
mostrando a sua colaboração
com a fuga de nazistas no final da
guerra.
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