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Cantor uruguaio ganhou a estatueta por canção de "Diários de Motocicleta", de Walter Salles
Oscar coroa a epopéia do "desconhecido" Jorge Drexler
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A WEST HOLLYWOOD
A epopéia que culminou no Oscar para "Al Otro Lado del Río", a
música que o uruguaio Jorge
Drexler, 41, fez para o filme "Diários de Motocicleta", dirigido por
Walter Salles, daria um filme. Musical. Começa há cinco anos,
quando o diretor, embalado pelo
CD "Frontera", liga para o músico
e encomenda a canção-tema de
seu novo longa, uma viagem iniciática de dois jovens pela América Latina, sendo que um deles viraria o revolucionário Ernesto
"Che" Guevara (1928-67).
"Walter me descreveu a cena-chave, em que Che atravessa o
Amazonas, desliguei o telefone e
fui para o laptop com meu violão
na mão", conta à Folha Drexler,
remontando a história. "Foi assim
que saiu, de pronto." Mais difícil
foi fazer o arquivo em MP3 virar a
estatueta dourada de anteontem,
a primeira dada a uma música latino-americana nos 77 anos de
Oscar (Ary Barroso concorreu indiretamente em 1945, com uma
versão em inglês de "Aquarela do
Brasil", por Ned Washington;
perdeu).
Primeiro, a indicação. Quando
ouviu a notícia, em 25 de janeiro,
Drexler não acreditou. Depois,
não pensou que ganharia, já que
concorreria com nomes mais populares nos EUA, como o grupo
Counting Crows, de "Accidentally in Love", de "Shrek 2", e "Believe", de "O Expresso Polar".
Depois, a polêmica. Gil Cates,
70, produtor-executivo da cerimônia do Oscar, vetou o nome do
uruguaio por ser "desconhecido
do público". Chamou Enrique
Iglesias, depois o casal Marc Anthony e Jennifer Lopez. Fechou
com o ator espanhol Antonio
Banderas e o guitarrista mexicano
Carlos Santana. "Soube das escolhas pelo site da Academia e depois pelo Banderas", diz Drexler.
"Depois de vários recados, Cates me ligou, mas foi irredutível.
Banderas nos procurou e foi corretíssimo. De Santana, nunca ouvi
uma palavra." A atitude autoritária do produtor renderia um abaixo-assinado, agora com quase mil
assinaturas, que seria entregue
ontem por Robert Redford ao
presidente da Academia. "Mesmo
assim, decidi que iria à cerimônia,
pois fui indicado, e isso ninguém
me tiraria. Se ganhasse, teria uma
pequena surpresa para a platéia."
No domingo, a perspectiva não
era boa. No tapete vermelho, Carlos Santana fala que não conhece
Drexler, mas defenderia a música
"em homenagem a Che", cuja face estampava sua camiseta. Banderas promete "simplicidade, sobretudo simplicidade", ao ser indagado como cantaria.
Horas depois, o que se revelaria
de "polêmica" seria a versão que
Banderas e Santana apresentaram
no palco do Kodak Theatre, em
Los Angeles. Foram introduzidos
pela atriz mexicana Salma Hayek.
Ela cobria o lugar de Gael García
Bernal, chamado originalmente,
que recusou em protesto ao saber
do veto. "Recebam, por favor, o
multitalentoso Antonio Banderas
e o lendário Carlos Santana para
interpretar a canção de Jorge
Drexler, "Al Otro Lado del Río'",
disse Hayek. Na platéia, as câmeras mostram o uruguaio ao lado
da mulher. A apresentação é vexame. Banderas encarna um Julio
Iglesias e chega a ensaiar um movimento de flamenco. Santana
transforma o suave dedilhado do
violão original num acompanhamento pesado. Ao final, Drexler
aplaude discretamente.
Depois, indagado pela Folha,
diria: "Quero agradecer em público a Antonio Banderas. Tive o
maior apoio dele nesses dias e sei
que ele fez o que achou melhor
para a música". Walter Salles seria
mais enfático: "A interpretação
imposta pelo sr. Gil Cates foi uma
caricatura da versão original. Se
nos convidam para essa festa, que
nos aceitem como somos, e não
como eles querem que sejamos".
Outros prêmios são entregues
até que Prince é chamado ao palco. Lê o nome das cinco canções
concorrentes e seus autores. A tela
se divide, e estes aparecem aguardando o veredicto. Volta para
Prince, que lê: ""Al Otro Lado del
Río", de Jorge Drexler". O uruguaio levanta das fileiras do setor
do meio da seção principal e vai
caminhando ao palco com um
sorriso irônico. Em vez de falar,
canta. Canta os versos principais
da música. E faz um dos discursos
mais curtos da história: "Tchau,
thank you, gracias, tchau".
Walter Salles, que estava em Los
Angeles, recebeu a notícia por telefone, de um amigo. Na segunda
chamada, responderia à Folha:
"Não poderia estar mais feliz, pelo
musico maravilhoso que o Drexler é, pela alma do filme ter sido
reconhecida e, finalmente, pela
maneira tão digna com que ele recebeu o prêmio".
Estava tudo perdoado. Perdoado, mas não esquecido. "Não lido
com vingança, gosto mesmo é de
cantar", disse Drexler. "E eu só
queria cantar a minha música do
meu jeito." Conseguiu.
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