São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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Cantor uruguaio ganhou a estatueta por canção de "Diários de Motocicleta", de Walter Salles

Oscar coroa a epopéia do "desconhecido" Jorge Drexler

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A WEST HOLLYWOOD

A epopéia que culminou no Oscar para "Al Otro Lado del Río", a música que o uruguaio Jorge Drexler, 41, fez para o filme "Diários de Motocicleta", dirigido por Walter Salles, daria um filme. Musical. Começa há cinco anos, quando o diretor, embalado pelo CD "Frontera", liga para o músico e encomenda a canção-tema de seu novo longa, uma viagem iniciática de dois jovens pela América Latina, sendo que um deles viraria o revolucionário Ernesto "Che" Guevara (1928-67).
"Walter me descreveu a cena-chave, em que Che atravessa o Amazonas, desliguei o telefone e fui para o laptop com meu violão na mão", conta à Folha Drexler, remontando a história. "Foi assim que saiu, de pronto." Mais difícil foi fazer o arquivo em MP3 virar a estatueta dourada de anteontem, a primeira dada a uma música latino-americana nos 77 anos de Oscar (Ary Barroso concorreu indiretamente em 1945, com uma versão em inglês de "Aquarela do Brasil", por Ned Washington; perdeu).
Primeiro, a indicação. Quando ouviu a notícia, em 25 de janeiro, Drexler não acreditou. Depois, não pensou que ganharia, já que concorreria com nomes mais populares nos EUA, como o grupo Counting Crows, de "Accidentally in Love", de "Shrek 2", e "Believe", de "O Expresso Polar".
Depois, a polêmica. Gil Cates, 70, produtor-executivo da cerimônia do Oscar, vetou o nome do uruguaio por ser "desconhecido do público". Chamou Enrique Iglesias, depois o casal Marc Anthony e Jennifer Lopez. Fechou com o ator espanhol Antonio Banderas e o guitarrista mexicano Carlos Santana. "Soube das escolhas pelo site da Academia e depois pelo Banderas", diz Drexler.
"Depois de vários recados, Cates me ligou, mas foi irredutível. Banderas nos procurou e foi corretíssimo. De Santana, nunca ouvi uma palavra." A atitude autoritária do produtor renderia um abaixo-assinado, agora com quase mil assinaturas, que seria entregue ontem por Robert Redford ao presidente da Academia. "Mesmo assim, decidi que iria à cerimônia, pois fui indicado, e isso ninguém me tiraria. Se ganhasse, teria uma pequena surpresa para a platéia."
No domingo, a perspectiva não era boa. No tapete vermelho, Carlos Santana fala que não conhece Drexler, mas defenderia a música "em homenagem a Che", cuja face estampava sua camiseta. Banderas promete "simplicidade, sobretudo simplicidade", ao ser indagado como cantaria.
Horas depois, o que se revelaria de "polêmica" seria a versão que Banderas e Santana apresentaram no palco do Kodak Theatre, em Los Angeles. Foram introduzidos pela atriz mexicana Salma Hayek.
Ela cobria o lugar de Gael García Bernal, chamado originalmente, que recusou em protesto ao saber do veto. "Recebam, por favor, o multitalentoso Antonio Banderas e o lendário Carlos Santana para interpretar a canção de Jorge Drexler, "Al Otro Lado del Río'", disse Hayek. Na platéia, as câmeras mostram o uruguaio ao lado da mulher. A apresentação é vexame. Banderas encarna um Julio Iglesias e chega a ensaiar um movimento de flamenco. Santana transforma o suave dedilhado do violão original num acompanhamento pesado. Ao final, Drexler aplaude discretamente.
Depois, indagado pela Folha, diria: "Quero agradecer em público a Antonio Banderas. Tive o maior apoio dele nesses dias e sei que ele fez o que achou melhor para a música". Walter Salles seria mais enfático: "A interpretação imposta pelo sr. Gil Cates foi uma caricatura da versão original. Se nos convidam para essa festa, que nos aceitem como somos, e não como eles querem que sejamos".
Outros prêmios são entregues até que Prince é chamado ao palco. Lê o nome das cinco canções concorrentes e seus autores. A tela se divide, e estes aparecem aguardando o veredicto. Volta para Prince, que lê: ""Al Otro Lado del Río", de Jorge Drexler". O uruguaio levanta das fileiras do setor do meio da seção principal e vai caminhando ao palco com um sorriso irônico. Em vez de falar, canta. Canta os versos principais da música. E faz um dos discursos mais curtos da história: "Tchau, thank you, gracias, tchau".
Walter Salles, que estava em Los Angeles, recebeu a notícia por telefone, de um amigo. Na segunda chamada, responderia à Folha: "Não poderia estar mais feliz, pelo musico maravilhoso que o Drexler é, pela alma do filme ter sido reconhecida e, finalmente, pela maneira tão digna com que ele recebeu o prêmio".
Estava tudo perdoado. Perdoado, mas não esquecido. "Não lido com vingança, gosto mesmo é de cantar", disse Drexler. "E eu só queria cantar a minha música do meu jeito." Conseguiu.


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