São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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OSCAR

Com piadas políticas e sexistas do apresentador Chris Rock e filmes sobre eutanásia, cerimônia consagra Clint Eastwood

Tom politicamente incorreto dita festa

DO ENVIADO A WEST HOLLYWOOD

A cerimônia do Oscar, anteontem, foi a noite do politicamente incorreto. Primeiro, pelos premiados: "Menina de Ouro", que defende a eutanásia privada, levou três das principais estatuetas (filme, diretor e atriz, mais ator coadjuvante); "Mar Adentro", que defende a eutanásia pública, foi escolhido melhor estrangeiro; Jorge Drexler, proibido de cantar pela produção, foi premiado e cantou como protesto. E Chris Rock foi tudo o que o Oscar mais teme num apresentador: político, sexista, implacável.
O polêmico drama dirigido por Clint Eastwood, que arrancou protestos de entidades conservadoras por não condenar um suicídio assistido em sua trama, bateu "O Aviador", recordista em indicações e suposto favorito, e adiou pela sétima vez o sonho de Martin Scorsese de levar um Oscar. A cinebiografia do milionário excêntrico Howard Hughes concorria em 11 categorias; ganhou cinco, quatro técnicas mais a não-merecida atriz coadjuvante, pela interpretação caricata que Cate Blanchett fez de Katharine Hepburn.
"Tenho muita sorte de estar aqui, ainda trabalhando", disse Eastwood, 74 anos, 25 filmes dirigidos, em seu agradecimento. "Vi Sidney Lumet, que tem 80, e pensei: sou apenas um garoto. Ainda tenho muito o que fazer." Lumet havia sido homenageado pelo conjunto da obra -dirigiu clássicos como "Serpico" (1972) e "Rede de Intrigas" (1976). Sucedia no palco Morgan Freeman, 67, que acabara de levar o Oscar de coadjuvante em sua quarta tentativa.
Outro título polêmico, "Mar Adentro", a cinebiografia do espanhol que lutou pelo direito de morrer, deu a Alejandro Almenábar o título de melhor filme estrangeiro. "Este filme é baseado na vida de um homem que, apesar do desejo por morrer, espalhou tanta vida ao seu redor", disse o diretor. Foi aplaudido de pé. Mais um latino arrancaria aplausos: o uruguaio Drexler, proibido de cantar sua "Al Otro Lado del Río" pelo produtor-executivo do programa, Gil Cates.
Foi "culpa" de Cates, aliás, o ponto alto da noite: Chris Rock como apresentador. A idéia era rejuvenescer a cerimônia em busca do público da MTV e aumentar uma audiência em declínio. Daí as mudanças cosméticas, como anunciar certas categorias técnicas no meio da platéia, de um dos balcões do Kodak Theatre ou mesmo levando todos os concorrentes ao palco, que virava um telão gigante. Daí a música de Eminem encerrando o tradicional clipe de abertura. Daí a presença de P. Diddy introduzindo Beyoncé.
Daí Chris Rock. Só que o comediante negro de 37 anos fugiu do controle e, sem falar um só palavrão, salvou as pouco mais de três horas da maratona do tédio absoluto. Seu texto de abertura é um dos mais pesados e políticos da história do Oscar. Começando com "Sentem suas bundas!" para encerrar os aplausos, criticou o presidente George W. Bush, o déficit trilionário do país e a Guerra do Iraque numa só frase, hilariante, que comparava os EUA a uma loja Gap e o conflito a uma batalha com a Banana Republic.
Detonou colegas como Jude Law ("Se você quer uma estrela como Tom Cruise, espere!"), Tobey Maguire ("Apenas um garoto com roupas justas") e Halle Berry, "a atriz do ansiosamente aguardado "Mulher-Gato 2'". Ela foi a única a não achar graça. Rock falou o impronunciável: que a Academia ignorou os filmes que definiram o país em 2004, "Fahrenheit 11 de Setembro" e "A Paixão de Cristo". Provocou as intocáveis comunidades judaica e gay.
Foi deliciosamente machista, ao anunciar Penélope Cruz e Salma Hayek: "Vocês não vão conseguir tirar os olhos dos próximos quatro apresentadores", referindo-se aos seios das latinas. Foi deliciosamente racista ao contrário, ao entrevistar espectadores negros do Magic Johnson Multiplex, no Harlem, que só gostavam de porcarias e não viram nenhum dos cinco filmes indicados.
(Não espere ver Chris Rock por aqui no ano que vem, já que a audiência caiu em relação ao ano passado -33 milhões de pessoas contra 43,5 milhões em 2004.)
De resto, Hilary Swank ("Menina de Ouro") bateu de novo Annette Bening ("Adorável Julia") cinco anos depois de duelo semelhante, e Jamie Foxx venceu como ator por "Ray", não conseguindo repetir a emoção do discurso no Globo de Ouro. (SÉRGIO DÁVILA)

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