São Paulo, sábado, 01 de março de 2008

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Eloy Martínez busca raiz da opressão

No romance "A Mão do Amo", argentino trata de como o autoritarismo surge nas relações familiares antes de se impor na sociedade

Escritor, para quem "experiência autoritária é semente que frutifica por anos", retomará reflexões de seu exílio em próxima obra

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tomás Eloy Martínez, 73, é o principal autor de romances políticos da Argentina. Em suas mãos, Perón e Evita ganharam projeção dramática e tratamento ficcional, tendo a verdade histórica como ingrediente essencial dos livros "Romance de Perón" e "Santa Evita".
Curiosamente, porém, quando se trata de um dos períodos mais intensos do passado recente de seu país, Martínez não tem muito a contar desde o ponto de vista de uma testemunha. "Não passei na Argentina nem um dia sequer da ditadura militar [1976-1983]."
O escritor, que deve vir à Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) deste ano, viveu exilado em Caracas e nos EUA entre os anos de 1966 e 1984. Agora, quer retomar o tempo perdido, com "Purgatório". O romance vai tratar desses anos e dos principais temas sobre os quais refletiu quando estava fora: o autoritarismo e o fantasma dos traumas passados.
"Trata-se da história de uma mulher que pensou que seu marido estivesse morto, pois desaparecera durante a ditadura e havia evidências de ter sido assassinado. Só que, 30 anos depois, ela entra num restaurante de um subúrbio de Nova York, e lá está ele", conta. Detalhe importante, o homem que vê não é seu companheiro envelhecido. Ele está tal qual ela o vira pela última vez. "Apesar desse elemento, não se trata de um romance fantástico ou de ficção científica, mas de uma investigação sobre se é possível recuperar o tempo e os sentimentos após tantos anos."
Os personagens são ficcionais, mas Martínez começou a imaginá-los quando procurava pensar no que ele mesmo poderia ter vivido caso não tivesse partido da Argentina.

Autoritarismo
Enquanto "Purgatório" não fica pronto, acaba de sair no Brasil "A Mão do Amo", romance do começo dos anos 90, até hoje não lançado aqui e pouco conhecido mesmo na Argentina. Escrito entre os livros sobre Perón e Evita, acabou eclipsado pelo sucesso de ambos.
Trata-se de uma obra pouco usual entre a produção de Martínez. A trama conta a vida de Carmona, um cantor cujo talento é castrado pelo ambiente familiar e que é seguido pelo fantasma da mãe morta aonde quer que vá. O espectro toma a forma de um bando de gatos, que o sondam o tempo todo.
O autor começou a escrevê-la quando vivia em Caracas. "O tema do autoritarismo me perseguia. Eu via chegarem à Venezuela presos políticos, fugitivos do regime argentino. Apesar de longe do pesadelo, eles carregavam um medo imenso daquela força que estava atrás deles."
"A Mão do Amo" trata de como o autoritarismo se dá na família antes de se impor também na sociedade, em diferentes níveis e com diversas intensidades. Não só as ações reais do pai e da mãe de Carmona marcam sua personalidade mas também sua relação com essa lembrança o mantém "domesticado" a vida toda. "A semente de uma experiência autoritária frutifica por muitos anos, é difícil nos livrarmos dela."
Recordações da própria infância ajudaram a dar cores ao romance. Há o lugar mágico das Montanhas Amarelas, referência à paisagem natural de Tucumán, província onde o escritor cresceu. E uma família de árabes, os Alamino, inspirada nos imigrantes que chegaram à região na infância de Martínez.
Por conta de uma enfermidade, o escritor afastou-se da direção do programa de estudos latino-americanos da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, onde vive. Segue dando aulas sobre literatura colonial.
O escritor conta que está cercado pela "Obamamania" no ambiente universitário, mas acha que os EUA ainda não estão prontos para fazer uma escolha como essa e eleger um presidente negro. "Também estou cansado de dar opiniões sobre política internacional e de vê-las repercutindo. Falo de orelhada, como todo mundo. Sou só um romancista."


A MÃO DO AMO
Autor:
Tomás Eloy Martínez
Tradutores: Lucas Itacarambi e Sergio Molina
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (168 págs.)


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