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Eloy Martínez busca raiz da opressão
No romance "A Mão do Amo", argentino trata de como o autoritarismo surge nas relações familiares antes de se impor na sociedade
Escritor, para quem "experiência autoritária é semente que frutifica por anos", retomará reflexões de seu exílio em próxima obra
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Tomás Eloy Martínez, 73, é o
principal autor de romances
políticos da Argentina. Em suas
mãos, Perón e Evita ganharam
projeção dramática e tratamento ficcional, tendo a verdade histórica como ingrediente
essencial dos livros "Romance
de Perón" e "Santa Evita".
Curiosamente, porém, quando se trata de um dos períodos
mais intensos do passado recente de seu país, Martínez não
tem muito a contar desde o
ponto de vista de uma testemunha. "Não passei na Argentina
nem um dia sequer da ditadura
militar [1976-1983]."
O escritor, que deve vir à Flip
(Festa Literária Internacional
de Paraty) deste ano, viveu exilado em Caracas e nos EUA entre os anos de 1966 e 1984. Agora, quer retomar o tempo perdido, com "Purgatório". O romance vai tratar desses anos e
dos principais temas sobre os
quais refletiu quando estava fora: o autoritarismo e o fantasma dos traumas passados.
"Trata-se da história de uma
mulher que pensou que seu
marido estivesse morto, pois
desaparecera durante a ditadura e havia evidências de ter sido
assassinado. Só que, 30 anos
depois, ela entra num restaurante de um subúrbio de Nova
York, e lá está ele", conta. Detalhe importante, o homem que
vê não é seu companheiro envelhecido. Ele está tal qual ela o
vira pela última vez. "Apesar
desse elemento, não se trata de
um romance fantástico ou de
ficção científica, mas de uma
investigação sobre se é possível
recuperar o tempo e os sentimentos após tantos anos."
Os personagens são ficcionais, mas Martínez começou a
imaginá-los quando procurava
pensar no que ele mesmo poderia ter vivido caso não tivesse
partido da Argentina.
Autoritarismo
Enquanto "Purgatório" não
fica pronto, acaba de sair no
Brasil "A Mão do Amo", romance do começo dos anos 90, até
hoje não lançado aqui e pouco
conhecido mesmo na Argentina. Escrito entre os livros sobre
Perón e Evita, acabou eclipsado
pelo sucesso de ambos.
Trata-se de uma obra pouco
usual entre a produção de Martínez. A trama conta a vida de
Carmona, um cantor cujo talento é castrado pelo ambiente
familiar e que é seguido pelo
fantasma da mãe morta aonde
quer que vá. O espectro toma a
forma de um bando de gatos,
que o sondam o tempo todo.
O autor começou a escrevê-la
quando vivia em Caracas. "O tema do autoritarismo me perseguia. Eu via chegarem à Venezuela presos políticos, fugitivos
do regime argentino. Apesar de
longe do pesadelo, eles carregavam um medo imenso daquela
força que estava atrás deles."
"A Mão do Amo" trata de como o autoritarismo se dá na família antes de se impor também na sociedade, em diferentes níveis e com diversas intensidades. Não só as ações reais
do pai e da mãe de Carmona
marcam sua personalidade mas
também sua relação com essa
lembrança o mantém "domesticado" a vida toda. "A semente
de uma experiência autoritária
frutifica por muitos anos, é difícil nos livrarmos dela."
Recordações da própria infância ajudaram a dar cores ao
romance. Há o lugar mágico
das Montanhas Amarelas, referência à paisagem natural de
Tucumán, província onde o escritor cresceu. E uma família de
árabes, os Alamino, inspirada
nos imigrantes que chegaram à
região na infância de Martínez.
Por conta de uma enfermidade, o escritor afastou-se da direção do programa de estudos
latino-americanos da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, onde vive. Segue dando aulas sobre literatura colonial.
O escritor conta que está cercado pela "Obamamania" no
ambiente universitário, mas
acha que os EUA ainda não estão prontos para fazer uma escolha como essa e eleger um
presidente negro. "Também estou cansado de dar opiniões sobre política internacional e de
vê-las repercutindo. Falo de
orelhada, como todo mundo.
Sou só um romancista."
A MÃO DO AMO
Autor: Tomás Eloy Martínez
Tradutores: Lucas Itacarambi e
Sergio Molina
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (168 págs.)
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