São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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Morre, aos 95, o bibliófilo José Mindlin

Empresário, que ergueu a maior biblioteca privada do Brasil, estava internado desde janeiro no Albert Einstein

Acervo de 38 mil exemplares começou a ser constituído em 1927; obras brasileiras serão transferidas para a USP

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Os livros perderam, ontem, um de seus seguidores mais fiéis. José Mindlin, o empresário que atravessou a vida na companhia da leitura, morreu ontem, de falência múltipla de órgãos, no hospital Albert Einstein. Internado desde 9 de janeiro, o bibliófilo, que tinha 95 anos, passou os últimos dias sedado. Pouco antes de perder a consciência, em conversa com o neto Rodrigo Mindlin Loeb, quis saber como andavam as obras no prédio que abrigará a biblioteca Brasiliana, que doara para a USP.
"Trata-se da concretização de um projeto de vida de difundir cultura e literatura para toda a população", disse Loeb, no enterro, ocorrido no cemitério Israelita, no bairro da Vila Mariana. À cerimônia compareceram políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o governador José Serra e a prefeita Marta Suplicy, e intelectuais, como Antonio Candido e o chanceler Celso Lafer.
É que, apesar de ter adquirido fama pública, sobretudo, por ter erguido uma das maiores bibliotecas privadas do mundo, Mindlin era uma dessas personalidades capazes de dividir-se entre diferentes gostos e atividades. Foi empresário de proa e personagem político.

Atuação pública
Um dos mais conhecidos episódios de sua vida pública deu-se nos anos da ditadura militar. Secretário de Cultura do Estado de São Paulo, recusou-se a demitir, da TV Cultura, o jornalista Vladimir Herzog, depois assassinado no DOI-Codi.
Mindlin não era homem de se curvar. Pediu demissão da presidência do Conselho de Orientação do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), em 1997, por discordar da interferência do governo Mário Covas na eleição do Sebrae. Manteve o silêncio quando perdeu a eleição para a presidência do Masp, em 1994, para Júlio Neves. Tampouco costumava vangloriar-se.
Na obra de memórias "Uma Vida entre Livros" (Edusp/ Companhia das Letras), começa dizendo: "Este livro tem uma história que precisa ser contada, nem que seja para explicar e, se possível, justificar que eu fique tanto tempo falando de mim mesmo." Discreto, queria apenas falar de livros. Sobre a própria história, o que mais dizia era que, aos 13 anos, adquirira a primeira obra rara.
Filho de um dentista com fama de ser "o melhor de São Paulo", cursou a faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas teve carreira fugaz como advogado. Em 1950, participou, com a família, da fundação da Metal Leve, indústria de autopeças que, em 1996, foi vendida para um conglomerado.
Entre as atividades empresariais e a vida pública, Mindlin encaixava a sua obsessão. Com a mulher Guita, com quem casou-se em 1938, correu o mundo atrás de livros que desejava poder tocar. Comprou a primeira edição ilustrada do poeta italiano Francesco Petrarca, de 1488, as primeiras versões anotadas de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, além de documentos, mapas, cartas, enfim, tudo o que era letra impressa.
Parte desse mundo terá como destino a biblioteca Brasiliana, na USP, composta por 17 mil títulos e 40 mil volumes, doada pela família em 1999. O prédio que abrigará o acervo está em obras e deve ser aberto dentro de pouco mais de um ano. "Nossa amargura é que o doutor José [Mindlin] não tenha visto a obra pronta", diz Pedro Puntoni, coordenador do projeto. Alguns livros já podem ser vistos, em versão digitalizada, no site da Brasiliana.
Colecionador que era, antes de tudo, um leitor, Mindlin sempre manteve as portas de sua casa abertas para pesquisadores e estudantes. "Os livros são para serem lidos", repetia. Costumava também dizer que "inocular o vírus [da leitura] é algo que procurou fazer a vida inteira, "ora com sucesso, ora sem resultado."
Na cerimônia que antecedeu o enterro, ontem à tarde, o rabino Michel Schlesinger lembrou que Mindlin era bem-humorado, contava piadas e gostava de comer - principalmente sobremesas como chocolate e marzipã. Mas seu vício era outro. Nas memórias, o bibliófilo diz que, para seu próprio sossego, resolveu admitir que o que tinha era mesmo uma doença. "Mas uma doença que me fazia sentir bem, ao contrário das outras, e que, além do mais, era incurável."

COLABOROU Luiza Fecarotta, da Reportagem Local



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