|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Almodóvar antes do ataque de nervos
Divulgação
|
Capa do livro de Pedro Almodóvar, que deve chegar às livrarias no dia 10 |
Gênese do estilo tresloucado do cineasta está em "Fogo nas Entranhas", de 81, sua primeira incursão na literatura, lançada no Brasil este mês
|
ALMODÓVAR ESCRITOR
Autor já era absurdo e feminista
Almodóvar,
que deve
chegar às
livrarias no
dia 10
LUIZ CAVERSAN
da Reportagem Local
Um pequeno livro escrito em
1981, daqueles que se lêem em
duas horas e se esquecem em
meia, traz para o público brasileiro, pela primeira vez, a gênese de
toda a loucura criativa de Pedro
Almodóvar.
Trata-se da estréia do cineasta
espanhol na literatura, "Fogo nas
Entranhas", autêntica "pulp fiction" (ficção barata), cujas edições estão esgotadas na Espanha,
mas que agora ganha versão para
o português.
Há vários aspectos desse livro
que impressionam: a quantidade
de clichês, as situações inverossímeis, a baixaria do enredo e o grotesco de algumas cenas. Ou seja,
subliteratura de primeiríssima
qualidade.
Com um predicado a mais: em
meio à torrente de sexo desenfreado, ao amontoado de lugares-comuns pseudo-reveladores da
alma feminina (e do feminismo
do autor) e da crueldade em relação aos homens, encontra-se praticamente um pouco de tudo o
que o cineasta viria, em anos posteriores, a desenvolver nos filmes
que o tornaram indispensável à
cena cinematográfica mundial.
Até Hollywood reconheceu isso e
deu a ele um Oscar no domingo.
Mas vamos ao livro: em meados
do anos 50, o chinês Chu Ming
Ho, radicado em Madri, dá início
ao seu império industrial, que,
nas três décadas seguintes, o
transformaria no "magnata dos
absorventes femininos".
À medida que vê seu poder e sua
fortuna crescerem, Chu Ming Ho
vai sendo abandonado, sem piedade, por suas sucessivas amantes, cinco no total
Assim ocorre com Diana, a orgulhosa que se tornou feminista;
com Mara, a que teve muitos filhos e vendeu todos a bom preço;
com Katy, a mulher de poucas palavras, porque tinha um corpo tão
perfeito que nem precisava falar;
com Lupe, a severa chefe do departamento pessoal que virou
hippie; e finalmente com Raimunda, a candidata a freira que se
tornou desenhista de absorventes
femininos.
A ingratidão e a crueldade com
que é tratado por essas mulheres
de personalidades tão complexas
e contraditórias fazem com que o
chinês rumine sua vingança até
que ela se cristalize, definitiva, em
sua mente atormentada.
Ele manda uma carta para cada
uma das ex, avisando que vai se
matar. No entanto, diz, deixará
toda a sua fortuna para elas. Desde que: compareçam ao seu enterro, assumam a fábrica, garantam
que seja distribuído gratuitamente para toda a cidade o revolucionário absorvente que ele acaba de
criar e que, elas mesmas, adotem
o tal acessório, concebido para ser
usado cotidianamente, não apenas "naqueles dias".
Somente Raimunda não adere
ao estranho pacto proposto pelo
chinês, o que vai interferir decisivamente no final do livro. Mas até
que isso ocorra, ou seja, o livro
chegue ao fim, a quantidade de
absurdos que Almodóvar desfia é
verdadeiramente assombrosa.
O tal absorvente criado por Chu
Ming Ho nada mais é que sua vingança contra todas as mulheres
do mundo -"umas vadias". Traz
em sua fórmula componente químico que deixa quem o usa literalmente com fogo nas entranhas,
ou seja, com uma vontade incontrolável de fazer sexo. Com qualquer homem, a qualquer momento, o tempo todo, até que o parceiro, ou vítima, sucumba.
Com a dimensão de uma peste
que se alastra pela cidade, a loucura toma conta das mulheres de
Madri, independentemente de
beleza, idade e condição social.
Choca, surpreende, repugna.
Mas diverte, porque é puro cinema almodovariano.
Cada uma com seu repertório
psicológico e seus motivos, em
geral totalmente fúteis, e qual Dianas ensandecidas, as mulheres
vão à caça, destroçando sexualmente todo elemento masculino
que encontram pela frente.
Do ponto de vista puramente literário, o livro é cheio de defeitos,
exibe lacunas e incongruências.
Mas, como exercício de estilo e de
imaginação, é de uma riqueza inquestionável.
Almodóvar, como se sabe, adora o universo feminino. Vai fundo
nisso ao descrever algumas de
suas personagens e os contextos
em que transitam. Trata uma delas, por exemplo, como "a mestra
de enganar-se a si própria". Para
outra, destina estas palavras: "Exploradora do amor, no qual esperava encontrar o tesouro do equilíbrio, da segurança e certa animação. Seu sentido de luta e uma
sensatez insana davam a ela um
toque de graciosa mediocridade,
imprópria de uma heroína".
Veja esse outro trecho do livro:
"Para centenas de mulheres madrilenas, a vida tinha ganho um
novo objetivo. O fogo que fulminava suas entranhas não tinha
descanso. Os homens não conseguiam acalmá-las totalmente (...).
Abandonaram filhos, tarefas domésticas, compromissos sociais,
deveres profissionais, mães moribundas, ideologias etc para sair à
procura de alimento".
Mais que romance ou novela,
trata-se de um argumento cinematográfico, cheio de ação e estilo. Obra autêntica do agora "oscarizado" Pedro Almodóvar.
Avaliação:
Livro: Fogo nas Entranhas
Autor: Pedro Almodóvar
Editora: Dantes (0/xx/21/239-2380)
Quanto: R$ 18 (124 págs.)
Lançamento : próximo dia 10
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Autor vai ao palco no TBC com "Patty" Índice
|