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LITERATURA
Clássicos são retraduzidos e, pela primeira vez, línguas periféricas recebem versões em português, em sinal de profissionalização
Grandes tradutores agora recebem status de autor
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
O mercado editorial brasileiro
vive hoje o melhor momento de
sua história -quando se fala de
tradução. Uma grande geração de
tradutores valorizados pelas editoras e fiscalizados pela crítica responde por uma profissionalização inédita, um movimento ainda
em expansão. Eles ganham o status de autor, sonho dos teóricos
desde os anos 60.
O fenômeno é mais visível pelas
grandes traduções lançadas nos
últimos anos, pelo esforço empreendido em traduções alternativas, pela melhor remuneração
dos profissionais (pagamento por
empreitada, e não mais por lauda)
e pela diversidade de línguas traduzidas do original -várias raramente eram vertidas diretamente
para o português.
É o caso do japonês, por exemplo. A tradutora Leiko Gotoda,
sobrinha do escritor Junichiro Tanizaki e uma das "estrelas" da
atual geração de tradutores, já
verteu inéditos de Yukio Mishima, do clássico Eiji Yoshikawa e
do tio Tanizaki para a Estação Liberdade. Acaba de finalizar seu
maior desafio: traduzir "Jovens de
um Novo Tempo, Despertai!", do
Prêmio Nobel Kenzaburo Oe, a
ser lançado em junho pela Companhia das Letras.
Os exemplos são vários. Pela
primeira vez o "Livro das Mil e
Uma Noites" (ed. Globo) foi traduzido do árabe, por Mamede
Mustafa Jarouche. "Dom Quixote" ganhou nova tradução ("O
Engenhoso Fidalgo D. Quixote da
Mancha", ed. Record), feita em
parceria pelo brasileiro Carlos
Nougué e o espanhol José Luis
Sánchez. O monumental "Ulisses" (ed. Objetiva), de James Joyce, ganhou nova versão de Bernardina da Silveira Pinheiro, para
concorrer com a conhecida tradução de Antônio Houaiss.
Um dos sinais mais evidentes da
profissionalização é a diminuição
das traduções feitas a partir de
versões do inglês e do francês, o
que era prática corrente.
"A tradução se tornou um tema
relevante, não marginal. A crítica
e o "policiamento crítico" da tradução fez com que os tradutores
fossem mais reconhecidos pelos
editores e cuidassem melhor do
seu trabalho", afirma o professor
e tradutor Modesto Carone, especialista nas obras de Franz Kafka.
"Hoje a coisa está muito mais
profissional: o que eram ilhas
[grandes nomes do passado], hoje são arquipélagos. Muita gente
está trabalhando e competindo
no sentido de ter uma tradução
melhor", diz José Mario Pereira,
da editora Topbooks.
Para Carone, "sem dúvida há
uma quantidade maior de tradutores talentosos. O que existia antes eram grandes e notáveis exceções. Agora a média é bastante
elevada". Para Davi Arrigucci Jr.,
um dos principais críticos literários do país, "houve uma renovação notável da tradução de um
modo geral". Segundo ele, "a tradução adquiriu um nível de qualidade artística que disputa o espaço da própria criação. Isso é bastante visível".
Segundo o professor Boris
Schnaiderman, "houve uma diversificação maior, estamos traduzindo do húngaro, do japonês,
línguas que eram completamente
desconhecidas". A proliferação de
cursos de literatura e a criação das
cátedras de teoria da tradução
certamente ajudaram. "Hoje é um
absurdo falar em uma tradução
sem mencionar o tradutor. Antes
isso era comum", afirma o poeta e
tradutor Ivo Barroso. "O público
universitário não era o de hoje",
pondera Pereira.
Para Barroso, "a profissionalização veio após os anos 70, quando já começa a aparecer o tradutor especialista em assuntos, como existe em outros países mais
adiantados".
Segundo ele, o problema continua sendo a remuneração. "Poderiam ter coisas muito melhores se
houvesse uma participação na
vendagem. Na França havia um
sujeito que vivia dos direitos de
tradução de "O Vento Levou'",
diz. "O serviço do tradutor é o
mais importante. Todo mundo já
conhece o autor, agora precisa
prestar atenção em quem é o tradutor", afirma.
Segundo Arrigucci, "a imprensa
era muito omissa em relação ao
valor da tradução. Isso também
acontecia na universidade".
"O crítico vigilante é o mais importante", diz Barroso. Para ele,
"é essencial que o tradutor também seja um bom poeta ou escritor. Hoje acontece a conscientização ao máximo, que é a tradução
direto do original. Mas falta a adequação do tradutor, que tem que
ser um bom escritor em português. Um Leonardo Fróes traduzindo Virginia Woolf é sensacional, você sente a prosa inglesa, é
admirável", afirma.
O que remete à questão: traduzir diretamente dos originais é garantia de qualidade? Muitas vezes
não, e tanto Barroso quanto Arrigucci elogiam traduções antigas,
feitas do francês ou inglês.
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