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Crítica/"Homo Sapiens 1900"
Documentário é uma lição de história sobre delírio eugenista
Filme de Cohen lembra experimentos que buscavam suposta melhoria genética
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Em "Arquitetura da Destruição", documentário
de 1989, o sueco Peter
Cohen mostrou de modo memorável as relações entre os
ideais estéticos do nazismo e
sua política de assassinato em
massa.
Produzido nove anos depois,
"Homo Sapiens 1900" mantém
as qualidades do filme anterior:
intensa pesquisa em arquivos
cinematográficos, clareza expositiva, uso razoavelmente
moderado da editorialização e,
sobretudo, um senso profundo
do horror e da patologia presentes na história do século 20.
Neste filme, não é a beleza,
mas sim a ciência (ou o que se
pretendia "científico" nos começos do século 20) que se alia
ao delírio manipulatório e à pura desumanidade.
Sob a bandeira da eugenia,
médicos e biólogos de vários
países se engajam numa suposta melhoria do padrão genético
da humanidade.
Alguns propõem a esterilização forçada dos deficientes, dos
feios, dos criminosos. Outros
querem também a eugenia "positiva", defendendo a criação de
um "haras humano", com reprodutores escolhidos.
Propostas desse tipo não foram exclusividade dos nazistas.
A avançada Suécia foi a primeira a criar um Instituto de Biologia Racial, em 1922, e terminaria aprovando leis de eugenia
que duraram mesmo depois da
Segunda Guerra. A esterilização, muito civilizadamente, deveria ser voluntária.
Nos EUA, a primeira lei de
esterilização forçada surgiu em
1907 (o filme não diz em que
Estado) e foi adotada por mais
de 20 unidades da Federação.
Ainda nos tempos do cinema
mudo, um médico, o dr. Harry
Haiselden, filmou "A Cegonha
Negra", no qual se fazia um bebê defeituoso morrer de frio,
em nome de um futuro saudável para todos.
Em outro precioso documento de época, vemos o ministro da Cultura de Lênin,
Anatoly Lunatcharski, atuar
num filme de ficção, salvando
um cientista de seus cruéis adversários. Ajuda-o a provar as
teses de Lamarck, segundo as
quais os caracteres adquiridos
são herdados pelos descendentes. A teoria, embora errada,
era mais condizente com os
ideais bolcheviques do que o
determinismo genético.
Fraude
No campo oposto do debate
biológico, um importante geneticista americano, Hermann
Mueller, responsável pela descoberta de que os raios-X afetam os cromossomos, procura
apoio de Stálin para seu projeto
eugenista. O líder soviético
acertou dessa vez, considerando a idéia reacionária. Mas preferiu promover a famosa fraude
de Lyssenko, mandando fuzilar
os que duvidavam dela.
Ciência e ideologia não cessam de trocar de lugar ao longo
do filme, cujos longos black-outs e narração pesada não se
coadunam com o óbvio ridículo
de alguns de seus personagens,
cuja real importância histórica
não é dimensionada com exatidão. Sem ter a abrangência de
"Arquitetura da Destruição",
"Homo Sapiens 1900" vale ainda assim como uma lição de
história (e de modéstia) para
cientistas, legisladores e seres
humanos em geral.
HOMO SAPIENS 1900
Direção: Peter Cohen
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50 em média)
Avaliação: bom
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