São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cena musical tem revival do trip hop com novos álbuns

A irlandesa Róisín Murphy, ex-Moloko, lança segundo trabalho solo, "Overpowered", e diz que gênero era "frívolo"

CD mais esperado é "Third", do Portishead, que chega às lojas neste mês; Morcheeba e Supreme Being of Leisure também voltam à ativa

Gemma Booth/Divulgação
A cantora Róisín Murphy, ex- Moloko, posa para fotógrafos em ensaio de moda

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

A armadura fashion, os cabelos num arrepio calculado e os olhos azuis que abocanhavam o público não resistiram ao ataque. Era 1995 e Róisín Murphy subia ao palco com Mark Brydon, então juntos no Moloko, para flagrar o produtor do Portishead na primeira fila, vestindo uma camiseta que dizia: "Não aceite imitações".
Seis meses depois, quando lançaram o Morcheeba, os irmãos Ross e Paul Godfrey disseram que Murphy e seu namorado faziam música para tocar em salão de beleza.
"Era uma cena de cachorradas, mesquinha na verdade porque havia uma noção muito quebradiça de que aquilo era um gênero, então todas as bandas patinavam para chegar a algum lugar", disse a irlandesa Murphy, em entrevista à Folha, por telefone, de Londres.
Depois de se firmar como uma das divas do trip hop, a tal cena que desdenha, e passar por um período de decadência que ainda não sabe se chegou ao fim, Murphy volta com pedras na mão, novos estilistas e produtores para lançar "Overpowered", segundo álbum da carreira solo desde que rompeu com Brydon e dissolveu o Moloko. "O trip hop nunca existiu, esse termo é tão frívolo."
Capitaneado pelos vocais dilacerantes de Beth Gibbons no Portishead e a fusão de eletrônica com hip hop do Massive Attack, o gênero surgiu primeiro no cenário britânico, nos anos 90. Na seqüência, vieram Moloko, Morcheeba e os norte-americanos do Supreme Beings of Leisure.
Agora, mais de dez anos depois, todos se mexem para voltar à ativa, com certo constrangimento em relação ao passado. Enquanto Murphy já faz turnê de "Overpowered", o Morcheeba, que trocou de vocalista duas vezes, disfarça a crise com o novo "Dive Deep", com convidados diferentes para interpretar cada faixa. E depois de passar seis anos longe do estúdio, Geri Soriano-Lightwood e Ramin Sakurai voltam ao Supreme Beings of Leisure para lançar um terceiro álbum.
Todo o revival parece antecipar o lançamento este mês de "Third", aguardado disco do Portishead, que põe fim a um jejum de dez anos da banda que lançou o trip hop, para o bem ou para o mal.

Exuberância da juventude
"O problema era pegar um estilo de música sério como o hip hop, que vem de uma cultura de gueto, e grudar a palavra "trip", que não diz nada", afirma Murphy. "Se você teve um Nintendo quando era criança, seus pais cuidaram de você, não há nada que resta senão a exuberância da juventude."
A guinada para o mundo fashion foi um passo lógico para romper com a idéia de falso protesto, abandonando os primórdios austeros do trip hop. "Quando comecei nos anos 90, a moda era muito minimalista, prata no lugar do ouro, preto no lugar das cores. Depois do 11 de Setembro, as pessoas abraçaram a idéia de se divertir. Há uma urgência na cultura pop hoje", diz Murphy.
Em outubro do ano passado, num show em Moscou, Murphy bateu a cabeça numa cadeira, teve uma concussão e quase rasgou um olho. Cancelou as próximas paradas da turnê e teve de voltar a Londres para ser operada às pressas.
"Eu não gosto de cirurgia plástica, mas tinha de escolher entre ficar com uma cicatriz ou arriscar mudar a expressão dos meus olhos", conta. "Preferi a cicatriz, para não mudar a única coisa que nos separa do mundo, o corpo é só uma membrana entre dentro e fora."
Vestida de arlequim psicodélico e sentada à mesa de um café na capa de seu último disco, Murphy -que diz acreditar no glamour como extensão da verdade- ainda exibe bem essa membrana exuberante, com toda a expressão que lhe resta.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Comentário: Sim, o trip hop existiu e agora ressuscita
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.