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Crítica/"Senhora dos Afogados"
Antunes só não faz obra-prima por falta de um elenco à altura
Diretor realiza bela síntese entre elementos dos trabalhos anteriores, mas Lee Thalor é o único ator que se destaca
Velório na casa dos
Drummond. Enquanto
um piano triste inunda
a casa, crianças brincam na penumbra. A primeira imagem da
montagem de Antunes Filho
para a mais maldita peça do
maldito Nelson Rodrigues faz
pressentir que estaremos diante de uma obra-prima.
Não é, infelizmente, e não
por culpa do diretor. Depois de
anos destilando técnicas para a
tragédia grega, e uma montagem para pôr tudo de lado e
reencontrar a brasilidade ("A
Pedra do Reino"), com "Senhora dos Afogados" Antunes faz a
síntese entre a carnavalização e
o arquétipo.
Para isso, afina seu vocabulário como se tudo antes fosse um
esboço do que vem agora. O
grupo que evolui em bloco desde "Macunaíma" se torna o coro de vizinhos, malsão e cômico
como um tropel de ratos. A dicção minuciosamente artificial
desta vez não redunda a solenidade do texto, mas dá uma dimensão alucinatória aos diálogos aparentemente naturalistas. Mesmo Shakespeare se faz
presente na cena do assassinato do Noivo, de economia
exemplar, horror puro.
Sinal das grandes montagens, resumir o enredo seria
dar uma impressão errada do
espetáculo, que, plasmado em
imagens-síntese, vai além do
que possa ser descrito. Incestos, suicídios, assassinatos e
mortos que voltam fazem parte
do universo rodriguiano, mas
talvez nunca com tanto despudor, tanta confiança em uma lógica própria. A luz elegantemente precisa de David de Brito e Robson Bessa, a trilha de
Pedro Abdhul, cantada com segurança pelo elenco, e os figurinos de Rosângela Ribeiro assombram por muito tempo a
memória do público.
Mas não é suficiente: ainda
faltam atores para Antunes.
Todos cumprem à risca as requintadas marcações, aspirais
para a morte que ronda; todos
usam a voz gutural como uma
máscara que afasta a anedota
esvaziadora. Mas poucos criam
a partir disso.
Assim, Valentina Lattuada,
como D. Eduarda, reproduz
com desenvoltura o padrão indicado, mantém uma beleza solene, mas se torna previsível
muito rápido em seus efeitos.
Fred Mesquita é muito romântico como Paulo, Eric Lenate
muito comezinho como Noivo.
Angélica di Paula, como Moema, a secreta protagonista da
tragédia, se sai melhor; falta-lhe porém uma maior explosão
na catástrofe final.
Lee Thalor é aquele que faz
entrever o que poderia ser um
espetáculo de Antunes Filho se
todos no palco tivessem a mesma genialidade que o encenador. Faz das marcas uma brincadeira e, com um dom inato
para a pausa e a ironia, se mantém no limite entre a comédia e
a tragédia. Ele traz o sombrio e
assombrado patriarca Misael,
logo em sua primeira aparição,
com um riso sinistro que gela a
platéia, clichê de melodrama
que, distanciado pela técnica,
volta de repente a ser eficaz.
Como cobrar Antunes por
ter apenas um ator à sua altura?
Mestre, lapida cada ator em cena, com a mão pesada talvez de
seu mestre Adolfo Celi, mas
sem ceder ao psicologismo nem
ao arbitrário. Exige alta erudição dos que estão em seu Centro de Pesquisa, para que possam compartilhar suas inquietações. Mas nada disso supre o
que seja talvez uma deficiência
de formação, ou de expectativa,
dos que escolhem o duro ofício
de ser ator. Antunes faz suas
encenações para atores do futuro. Que seja alcançado por
Lee Thalor é um ganho inestimável.
SENHORA DOS AFOGADOS
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h
Onde: Sesc Consolação - teatro Sesc Anchieta (rua dr. Vila Nova, 245, 0/xx/11/3234-4000)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Avaliação: bom
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