FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se quiser prolongar a convivência com "Abril Despedaçado", o filme, em "Abril Despedaçado", o livro, o leitor pode ter um momento de hesitação: comprar o romance de Ismail Kadaré ou "Abril Despedaçado - História de um Filme", que mostra os bastidores do longa?
Certamente, estão no filme de Salles os conflitos principais do "Abril Despedaçado" de Kadaré. Tanto que, tendo conhecido outras adaptações de seu romance, o escritor declarou publicamente preferir a brasileira às outras (prova que, para ser boa, uma adaptação não precisa seguir textualmente a trama original).
O roteiro de Salles, Sérgio Machado e Karim Aïnouz, porém, é livremente inspirado no livro de Kadaré; em termos de ambiente, a distância entre o tórrido filme de Salles e o livro de Kadaré, cinza e gelado, é enorme -não só geograficamente. Nesse sentido, o verdadeiro "livro do filme" é o segundo. É em suas páginas que o espectador/leitor volta a imergir na atmosfera da tela.
"História de um Filme", firmado pelos jornalistas Pedro Butcher e Anna Luiza Müller, narra todo o making of do longa: a construção cenográfica, o trabalho de roteiro e de preparação de atores para transpor o drama dos personagens albaneses para o sertão, as principais diferenças entre original literário e adaptação.
Colocam-se, ainda, as referências cinematográficas que nortearam a concepção do filme -notadamente o russo Eisenstein (1898-1948) e o brasileiro Mário Peixoto (1908-92)- e a interferência da equipe na vida local. Culmina com a chegada ao Festival de Veneza, em setembro passado.
O material foi coletado pela dupla em seis viagens ao Nordeste. O texto final é de Pedro Butcher, pai da iniciativa. "Ele sabia que várias das histórias de "Central do Brasil", das pessoas, da equipe, tinham meio que se perdido", conta Anna Luiza Müller. "Foi aí que teve a idéia de acompanhar todo o processo, para contar também como uma equipe de cinema interage com a comunidade local e, como conhecia meu trabalho de foto, me chamou."
Como não poderia deixar de ser, sendo o diário de um filme visualmente tão rico, o volume se completa com "stills" feitos pelo diretor de fotografia de "Abril", Walter Carvalho.