São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"HAIFA"

Longa de 96 se perde em excesso de engajamento e esquematismo

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

"Haifa" pode ser visto em dois níveis. O primeiro, da informação, nos oferece uma visão das cidades-favela em que vivem os palestinos (em Gaza, no caso) sob dominação israelense.
Realizada em 1996, a produção talvez tenha perdido um tanto de sua atualidade: foi concebida num momento em que a paz no Oriente Médio e o surgimento de um Estado palestino pareciam viáveis. Em todo caso, à parte a destruição recente, as ruelas, a precariedade das casas, a simplicidade do modo de vida não contradizem o que já se viu.
O segundo nível é o da realização propriamente dita e, aqui, a precariedade do filme de Rashid Masharawi é intensa. Trata-se de um longa engajado, em que a vida de uns palestinos é abordada tendo por centro a figura do louco da aldeia. Ele se denomina Haifa em alusão à cidade israelense.
Não é segredo para ninguém que, para que Israel se constituísse, a população palestina foi afastada desse território. Voltar para Haifa (ou Jerusalém) é uma reivindicação de parte da população.
Passemos pelo que pode haver de justo ou injusto em tudo isso, sob o risco de não chegar a parte nenhuma. Em torno de Haifa, o personagem, surgem diversos habitantes, a maior parte representativa das diversas posições dos palestinos em relação ao problema. Existe desde o admirador incondicional de Arafat, que deposita nele todas as suas esperanças, ao jovem e cético Siad, para quem os acordos de paz representam um compromisso inaceitável.
Seja no aspecto político, seja no cultural, "Haifa" sofre de um esquematismo de construção quase intransponível. Os personagens não possuem vida própria, têm apenas aquela que lhes determina o realizador, o que os limita à condição de fantoches. Seus movimentos, seu fraseado não saem da vida nos campos de refugiados, saem diretamente do roteiro.
Por fim, não custa observar que um dos momentos centrais de "Haifa" consiste na questão enunciada por um dos personagens: qual é a sua cidade de origem?
A mania da origem parece empestear o Oriente Médio, tanto do lado israelense como do palestino. Todos (todos os radicais, bem entendido) remetem questões atuais a uma origem mais ou menos imemorial, reivindicando para si direitos sejam bíblicos, sejam de anterioridade (qualquer anterioridade serve) que bloqueiam e pelo jeito bloquearão por muito tempo qualquer iniciativa de uma paz razoável para ambos os lados.
O fato de "Haifa" ilustrar esse tipo de pensamento pelo lado palestino talvez nos ajude a compreender a imensa irracionalidade que parece nortear as ações das partes envolvidas. Mais que tudo, dá conta do estágio ainda imaturo do cinema palestino.


Haifa  
Direção: Rashid Masharawi
Produção: Palestina/Holanda, 1996
Com: Mohammad Bakri, Hiyam Abbass
Quando: a partir de hoje no Top Cine




Texto Anterior: Crítica: Ator quase salva produção fraca
Próximo Texto: "O que a Lua Revela": Carriére larga elenco à sua própria sorte
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.