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"Música para cinema é diferente de tudo"
Famoso pelas trilhas sonoras, o italiano Ennio Morricone se apresenta no Municipal do Rio no próximo sábado
Avesso a entrevistas, compositor com 46 anos de carreira fala à Folha e diz que a disciplina é tão importante quanto a paixão
RONALDO EVANGELISTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Aos 78 anos, 46 de carreira,
mais de 400 filmes no currículo, cinco indicações ao Oscar e
um prêmio especial da Academia concedido pouco mais de
dois meses atrás, o compositor
italiano Ennio Morricone desembarca nesta semana no
Brasil pela primeira vez, para
fazer finalmente sua estréia em
um palco brasileiro.
Morricone vai fazer apenas
um show, neste sábado, dia 5,
no Teatro Municipal do Rio,
acompanhado da Orquestra
Petrobras Sinfônica e 18 músicos italianos que traz na bagagem, inclusive a soprano Susanna Rigacci (segundo a assessoria de imprensa, os ingressos
para o setor galeria estão esgotados; para os outros setores,
ainda estão disponíveis).
A apresentação do italiano é
parte do evento Música em Cena, que traz ainda o compositor
argentino Gustavo Santaolalla
e músicos brasileiros.
Se a chegada do cultuado
compositor em terras brasileiras é motivo de excitação, o que
dizer de feito similar nos EUA
-país para onde Morricone
produziu grande parte de sua
obra? Pois foi apenas em fevereiro passado, poucas semanas
antes de sua premiação na festa
do Oscar, que o autor se apresentou pela primeira vez na
América, para um público de
5.000 pessoas.
Pode parecer uma excentricidade do italiano não ter se dedicado com mais afinco ao seu
potencial grande público, mas
Morricone trabalha só com
suas próprias regras. Outra
prova disso é o fato de, mesmo
tendo realizado obras em parceria com diretores americanos, como Brian De Palma, o
maestro nunca ter se dado ao
trabalho de aprender inglês.
E foi assim, cercado de improbabilidades e particularidades, que a Folha foi atrás de
uma entrevista com o músico.
Regra número um: ele só falaria à intérprete que ele conhecesse e aprovasse, de preferência alguém de sua equipe. Regra número dois: o horário teria de ser o que lhe servisse melhor, não importando quantas
vezes fosse necessário remarcar a entrevista. Regra número
três: ele não falaria diretamente à reportagem, mas sim com
sua intérprete, com as nossas
perguntas na mão, e ela depois
transmitiria as respostas.
Brasil
Notório avesso a entrevistas,
Morricone foi uma "tour de
force", mas não se esquivou de
falar, desde que seguidas suas
regras. Ganhar o Oscar? Sim,
foi um reconhecimento que lhe
deixou muito emocionado e
surpreendido. O Brasil? É um
país que admira de longe, e sobre o qual tem grande interesse. A música brasileira? Tem
uma simpatia enorme, e foi forte influência no seu começo como compositor. Ter gravado
um disco ao lado de Chico
Buarque em 1970? Claro que se
lembra, e foi uma experiência
com resultado muito original,
do qual se orgulha muito.
Conhecido principalmente
pelas trilhas que escreveu nos
anos 60 para os filmes do italiano Sergio Leone, lembrados até
hoje como "westerns spaghetti", Morricone tem aquilo como
ponto de partida para uma carreira longa, rica e variada. Formado em composição pelo
Conservatório de Santa Cecília
de Roma e interessado em jazz
e música de vanguarda, Morricone faz uma música distante
dos clichês, utilizando-se de
precisão erudita sobre melodias simples e instrumentação
criativa -é notória sua mistura
de cravos, sintetizadores, vozes
femininas e orquestras.
Depois de tantos anos e tantas composições, qual pode ser
o segredo da criatividade até
hoje? "Esse segredo é a coisa
mais simples que se pode imaginar", diz ele, por meio de sua
intérprete. "Quatrocentas trilhas não é muito se pensarmos
em Johann Sebastian Bach,
que escrevia uma cantata por
semana, sempre comissionado
por um príncipe, um rei. Ou seja, sempre existiu a música por
comissão, a criatividade surge
quando a pessoa reconhece que
ama o próprio trabalho, que foi
escolhido para aquilo."
Então, qual o segredo dessa
música que funciona tão bem
acompanhando imagens quanto sozinha? "A música para cinema é diferente de todos os
outros tipos de música", ele explica. "A grande diferença é o
condicionamento: à história, ao
diretor, ao público que é do filme, não da trilha. Esse condicionamento deve ser superado
pelo estilo do compositor -algo que não deve ser imposto,
mas que existe por si mesmo.
Esse estilo deve conseguir encontrar seu caminho apesar
dos condicionamentos."
E a paixão pela música, afinal, segue até hoje? "Não gosto
de usar a palavra paixão, porque paixão acaba", esclarece. "A
música, pelo contrário, é uma
fonte inexaurível. A disciplina é
tão importante quanto a paixão: com ordem e disciplina,
paixão vira continuidade."
Aposentadoria, então, nem
pensar? "Ah, essa palavra ele
odeia, nem citei para ele", diz a
intérprete. "O que ele mais gosta de fazer é trabalhar."
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