São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008 |
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Invasão bárbara Após concluir "Ensaio sobre a Cegueira", que abrirá o Festival de Cannes em disputa pela Palma de Ouro, Fernando Meirelles afirma à Folha que "a barbárie está instalada" na sociedade e que vê "gente meio cega" ao seu redor
SILVANA ARANTES DA REPORTAGEM LOCAL Quando o cineasta Fernando Meirelles decidiu filmar uma versão cinematográfica do livro "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, em setembro de 2006, imaginou o ator norte-americano Sean Penn no papel do oftalmologista. O personagem do médico é o que tenta conservar valores humanistas, num ambiente onde progride a barbárie, à medida em que uma epidemia de cegueira atinge toda a população, exceto a mulher do médico. Penn leu o roteiro, conversou com o diretor e quis ler também a obra original. No fim, negou o papel. "[Ele] Disse que não saberia por onde começar seu trabalho. Além de não terem nomes, os personagens do filme não têm passado nem história. Para atores que usam isso como método de construção de personagem, fica meio esquisito criar uma pessoa sem saber a sua história. Entendi seu ponto de vista", diz Meirelles. Quase dois anos depois desse diálogo, o Festival de Cannes reaproximará Penn de "Ensaio sobre a Cegueira". O filme de Meirelles, recém-concluído, com Mark Ruffalo no papel do médico, abrirá a 61ª edição do festival, no próximo dia 14 de maio, competindo pela Palma de Ouro. Penn é o presidente do júri que decidirá o vencedor, entre os 22 concorrentes. O longa brasileiro "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas, também está na disputa. Para interpretar a "mulher do médico", Meirelles quis a norte-americana Julianne Moore. Ela disse sim. Na entrevista a seguir, o diretor comenta o trabalho da atriz e diz julgar atual a trama do filme. "Diariamente, os limites do que chamamos civilização são rompidos, mas parece que não enxergamos isso. A barbárie está instalada e não vemos." FOLHA - A protagonista de seu filme é a cegueira ou a mulher do médico, única imune à doença? FERNANDO MEIRELLES - A cegueira é a protagonista, mas não a cegueira física, e sim a cegueira psicológica, ideológica. Há uma frase do livro que diz: "Não acho que ficamos cegos, acho que somos cegos. Cegos que podem ver, mas não vêem". Diariamente, os limites do que chamamos civilização são rompidos, mas parece que não enxergamos isso. A barbárie está instalada e não vemos. Talvez por estar fazendo este filme, cada vez mais vejo gente meio cega ao meu redor, do padre Adelir [de Carli], que se lançou no ar preso a mil balões por não conseguir enxergar as reais condições que tinha ao redor, às multidões de pessoas com fortes convicções ideológicas que se orgulham de nunca mudarem sua visão do mundo. Esta autocegueira parece ser mais a regra do que a exceção. Há uma boa frase sobre isso no filme, já não sei se está no livro: "Liberdade para os cegos não é um espaço aberto, é um espaço onde os dedos possam tocar as paredes, é confinamento, que significa proteção". FOLHA - Você comentou no blog
do filme que espectadores de sessões-teste rechaçaram com enfática
indignação as cenas de estupro, numa reação que você atribuiu, em
princípio, ao conservadorismo do
público norte-americano. Como
avalia a representação da violência
e do sexo por Hollywood?
FOLHA - Acha legítimo um filme ter
o objetivo de chocar o espectador?
FOLHA - Ao fazer um filme, até que
ponto abre mão de suas escolhas
para não afastar o espectador?
FOLHA - Após fazer um filme sobre
uma população vítima de uma epidemia que reflete sua própria decadência moral, como se sente diante
das reações -da polícia, da imprensa, da população- ao caso Isabella?
FOLHA - Com seu novo filme, pretende debater que aspecto concreto
da vida social ou política?
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