São Paulo, domingo, 01 de maio de 2011

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Para comediantes, não há tabu no humor

Marcelo Madureira, do "Casseta", diz haver exagero; para Hugo Possolo, dos Parlapatões, problema está na abordagem

Atores e roteiristas se posicionam quanto à controvérsia deflagrada pelo quadro "Casa dos Autistas", da MTV

ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO

No começo da semana passada, um quadro do "Comédia MTV", apresentado por Marcelo Adnet, causou celeuma entre parentes de pessoas com autismo.
Na cena, de três minutos, cinco humoristas se faziam passar por participantes de uma suposta atração televisiva, a "Casa dos Autistas" (um trocadilho com o reality show "Casa dos Artistas").
Após ameaça de investigação do Ministério Público Federal, a MTV se retratou publicamente. Para Ana Ruiz, do Movimento Pró-Autista, o evento serviu para "mostrar a união do grupo".
A partir desse fato, a Folha procurou atores, apresentadores e roteiristas que trabalham com humor para pensar se há, na área, um território sagrado, onde jamais se pode pisar.
Marcelo Madureira, do "Casseta & Planeta", vê uma histeria social: "Quando criamos o jornal "Casseta Popular", nos anos 1970, fizemos uma lista de piadas sobre negros. Hoje não posso caçoar de aeromoça, garçom, enfermeira, porque há uma indústria do processo".
Madureira diz já ter feito piada com autistas. "E isso que uma amiga minha tinha um filho autista. O problema do "Comédia MTV" não foi a piada, mas a duração. Esticaram demais. Perdeu a graça. E o limite do que pode ou não ser dito é a graça."

TV PIRATA
Quando integrava o "TV Pirata", nos anos 1980, o ator Ney Latorraca protagonizou uma cena icônica, em que se irritava com seu filho, vivido por Diogo Vilela, pela decisão dele de "se assumir negro". Um detalhe: ambos, no esquete, eram de fato negros.
"Era um tipo de humor que só poderia existir naquela época", lembrou Latorraca. "O país havia ficado tanto tempo diminuído pela ditadura que, quando a liberdade explodiu, podia tudo. Havia um trauma da censura."
Ele lamenta o fim da permissividade. "Hoje, acho pouco provável que houvesse espaço para uma Dercy Gonçalves (1907-2008) no país. Se você fala mal de uma árvore, todas as árvores se reúnem para reclamar. As pessoas estão mais atentas." "Não é o assunto que é o limite. É como você o aborda", disse Hugo Possolo, criador do grupo teatral Parlapatões. "O humorista pode fazer piada com autista, negro ou homossexual, dependendo da posição que tome."
A posição, segundo ele, tem de ser contra o preconceito. "Temos, no nosso grupo, um anão, o Hélio Pottes, que fez um filme mostrando as dificuldades dele no metrô. Não havia humilhação. Era diferente do "Pedala Robinho" [quadro do "Pânico na TV" em que um anão era estapeado pelos apresentadores, sob gritos de "Pedala, Robinho!']".
Miguel Falabella, criador dos programas "Sai de Baixo" e "Toma Lá Dá Cá", da Globo, acredita que é impossível haver humor sem mágoa. "A base do humor é o politicamente incorreto. Ao pé da letra, qualquer piada de gay ou de gordo pode ofender."
Ele diz, citando seu personagem em "Sai de Baixo", que o segredo está na forma como a piada é conduzida: "O Caco Antibes vivia reclamando de pobre, só que de uma forma farsesca, que cabia no personagem. O tom influencia o fim da piada."
Gregório Duvivier, integrante do conjunto humorístico Z.É. (Zenas Emprovisadas), concorda: "Acho ótima a piada de uma casa de autistas onde nada acontece. O problema foi a interpretação realista. Se o tom fosse jocoso, as pessoas entenderiam".
Ele considera isso um problema: "O humor no Brasil é fraco. Tudo tem que ter um tom caricato, cinco oitavas acima do normal."


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