São Paulo, sexta-feira, 01 de junho de 2007

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Retrato de um 'serial killer'

Em "Zodíaco", que estréia hoje no país, o diretor David Fincher, de "Seven", volta a esquadrinhar o perfil de um assassino

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o diretor norte-americano David Fincher convidou o ator Jake Gyllenhaal para estrelar o filme "Zodíaco" -que estréia hoje no Brasil-, ele avisou: "Você será um figurante na primeira metade do filme e o protagonista daí em diante".
A ordem é essa, porque Fincher obedeceu à seqüência dos acontecimentos reais em que seu longa (156 min) se baseia.
O cartunista Robert Graysmith (Gyllenhaal), do diário "San Francisco Chronicle", só se tornou obcecado em desvendar a identidade do assassino em série autodenominado Zodíaco quando os que tentaram isso antes dele sucumbiram.
Eles eram o investigador da polícia David Toschi (Mark Ruffalo) e o repórter policial Paul Avery (Robert Downey Jr.), que trabalhava no mesmo "San Francisco Chronicle" de Graysmith, para onde o Zodíaco enviava cartas relatando seus crimes, anunciando novos assassinatos e dando pistas cifradas sobre seu nome real.
Fincher, 46, filho de um jornalista da Califórnia, era criança quando os crimes do Zodíaco apavoraram a região.

Terror
"Não conheço um filme recente que capte melhor do que "Zodíaco" essa faceta da sociedade americana de ficar aterrorizada pelo desconhecido", disse Gyllenhaal à Folha, em Cannes, onde o longa de Fincher concorreu à Palma de Ouro.
Nas conversas que teve com o verdadeiro Robert Graysmith -que relatou no livro "Zodíaco" os anos de sua vida dedicados à investigação particular sobre o assassino-, Gyllenhaal concluiu que a paixão do cartunista pela figura de seu herói catalisou sua obsessão em decifrar o enigma do Zodíaco.
"David Toschi era um herói para ele. E os detetives sempre encontram a resposta certa. Graysmith quis ir além da investigação policial, para provar que Toschi estava certo", diz.
A suspeita de Toschi recaía sobre Arthur Leigh Allen (Brian Cox), um professor condenado por assédio sexual, mas o detetive não conseguiu provar que Allen era o Zodíaco.
Toschi "foi reticente ao filme, porque tinha medo de que Hollywood fizesse dele uma imagem distorcida ou sensacionalista", conta Ruffalo, que dobrou a resistência do policial aposentado entregando-lhe uma cópia do roteiro do longa (de James Vanderbilt).
Nos dois dias de convivência que Ruffalo teve com Toschi, ouviu dele uma frase que está no filme: "Eu acho que Leigh Allen é o Zodíaco. Mas o que eu acho não quer dizer nada. O que conta são as provas".
Rufallo considera a atitude de Toschi típica do passado dos Estados Unidos. "Infelizmente, não dizemos mais esse tipo de coisa. Hoje, nós forjamos provas, invadimos países e matamos umas 650 mil pessoas."
Para Fincher, no entanto, o paralelo dos principais acontecimentos de "Zodíaco", que ocorreram entre o final dos anos 60 e os 70, é atemporal.
"Trata-se de um filme sobre a busca da verdade", disse o diretor, no 60º Festival de Cannes, de onde saiu sem prêmios no último domingo, mas com uma montanha de críticas positivas da imprensa européia.

"Relação difícil"
Gyllenhaal, porém, precisou do tempo que agora o distancia das filmagens e da "relação difícil" que teve com Fincher no set para ser capaz de elogiá-lo. "Hoje, eu o acho extraordinário, brilhante, e sou grato a ele por esse filme", diz o ator.
Enquanto trabalharam juntos, Gyllenhaal viu em Fincher um homem, assim como Graysmith, "capaz de se entregar a uma obsessão" e um diretor que não vacila em "fazer seus atores sofrerem".
Mas o diagnóstico do ator sobre o período em que abominava "a cada manhã, ter que vestir a camisa daquele personagem" não exclui a autocrítica.
"Para um ator, e um ator não exatamente sem ego, é difícil imaginar que outras coisas num set possam ser tão importantes quanto o que você está fazendo. Mas Fincher acredita nisso. Ele é, como diz o Mark [Rufallo], um diretor da tela cheia", afirma Gyllenhaal.
A atriz Chloë Sevigny, que interpreta a mulher de Graysmith, receou que seu personagem fosse cortado da versão final. "Pelo roteiro, vi que havia coisas demais a contar, mas eles me garantiram que a vida doméstica de Graysmith ia permanecer", diz. Mesmo em dúvida, Sevigny filmou, por uma razão que Gyllenhaal explica assim: "Quando David Fincher convida você para um filme, você simplesmente não diz "não".


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