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Retrato de um 'serial killer'
Em "Zodíaco", que estréia hoje no país, o diretor David Fincher, de "Seven", volta a esquadrinhar o perfil de um assassino
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando o diretor norte-americano David Fincher convidou
o ator Jake Gyllenhaal para estrelar o filme "Zodíaco" -que
estréia hoje no Brasil-, ele avisou: "Você será um figurante na
primeira metade do filme e o
protagonista daí em diante".
A ordem é essa, porque Fincher obedeceu à seqüência dos
acontecimentos reais em que
seu longa (156 min) se baseia.
O cartunista Robert Graysmith (Gyllenhaal), do diário
"San Francisco Chronicle", só
se tornou obcecado em desvendar a identidade do assassino
em série autodenominado Zodíaco quando os que tentaram
isso antes dele sucumbiram.
Eles eram o investigador da
polícia David Toschi (Mark
Ruffalo) e o repórter policial
Paul Avery (Robert Downey
Jr.), que trabalhava no mesmo
"San Francisco Chronicle" de
Graysmith, para onde o Zodíaco enviava cartas relatando
seus crimes, anunciando novos
assassinatos e dando pistas cifradas sobre seu nome real.
Fincher, 46, filho de um jornalista da Califórnia, era criança quando os crimes do Zodíaco
apavoraram a região.
Terror
"Não conheço um filme recente que capte melhor do que
"Zodíaco" essa faceta da sociedade americana de ficar aterrorizada pelo desconhecido", disse Gyllenhaal à Folha, em Cannes, onde o longa de Fincher
concorreu à Palma de Ouro.
Nas conversas que teve com
o verdadeiro Robert Graysmith
-que relatou no livro "Zodíaco" os anos de sua vida dedicados à investigação particular
sobre o assassino-, Gyllenhaal
concluiu que a paixão do cartunista pela figura de seu herói
catalisou sua obsessão em decifrar o enigma do Zodíaco.
"David Toschi era um herói
para ele. E os detetives sempre
encontram a resposta certa.
Graysmith quis ir além da investigação policial, para provar
que Toschi estava certo", diz.
A suspeita de Toschi recaía
sobre Arthur Leigh Allen
(Brian Cox), um professor condenado por assédio sexual, mas
o detetive não conseguiu provar que Allen era o Zodíaco.
Toschi "foi reticente ao filme, porque tinha medo de que
Hollywood fizesse dele uma
imagem distorcida ou sensacionalista", conta Ruffalo, que
dobrou a resistência do policial
aposentado entregando-lhe
uma cópia do roteiro do longa
(de James Vanderbilt).
Nos dois dias de convivência
que Ruffalo teve com Toschi,
ouviu dele uma frase que está
no filme: "Eu acho que Leigh
Allen é o Zodíaco. Mas o que eu
acho não quer dizer nada. O
que conta são as provas".
Rufallo considera a atitude
de Toschi típica do passado dos
Estados Unidos. "Infelizmente,
não dizemos mais esse tipo de
coisa. Hoje, nós forjamos provas, invadimos países e matamos umas 650 mil pessoas."
Para Fincher, no entanto, o
paralelo dos principais acontecimentos de "Zodíaco", que
ocorreram entre o final dos
anos 60 e os 70, é atemporal.
"Trata-se de um filme sobre
a busca da verdade", disse o diretor, no 60º Festival de Cannes, de onde saiu sem prêmios
no último domingo, mas com
uma montanha de críticas positivas da imprensa européia.
"Relação difícil"
Gyllenhaal, porém, precisou
do tempo que agora o distancia
das filmagens e da "relação difícil" que teve com Fincher no
set para ser capaz de elogiá-lo.
"Hoje, eu o acho extraordinário, brilhante, e sou grato a ele
por esse filme", diz o ator.
Enquanto trabalharam juntos, Gyllenhaal viu em Fincher
um homem, assim como Graysmith, "capaz de se entregar a
uma obsessão" e um diretor
que não vacila em "fazer seus
atores sofrerem".
Mas o diagnóstico do ator sobre o período em que abominava "a cada manhã, ter que vestir
a camisa daquele personagem"
não exclui a autocrítica.
"Para um ator, e um ator não
exatamente sem ego, é difícil
imaginar que outras coisas
num set possam ser tão importantes quanto o que você está
fazendo. Mas Fincher acredita
nisso. Ele é, como diz o Mark
[Rufallo], um diretor da tela
cheia", afirma Gyllenhaal.
A atriz Chloë Sevigny, que interpreta a mulher de Graysmith, receou que seu personagem fosse cortado da versão final. "Pelo roteiro, vi que havia
coisas demais a contar, mas
eles me garantiram que a vida
doméstica de Graysmith ia permanecer", diz. Mesmo em dúvida, Sevigny filmou, por uma
razão que Gyllenhaal explica
assim: "Quando David Fincher
convida você para um filme, você simplesmente não diz "não".
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