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Ben Harper, Marvin Gaye do futuro
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Heróis negros houve muitos na
encruzilhada pop entre os anos 60
e os 70 -a mesma que mudou tudo o que viria a seguir-, e Marvin
Gaye talvez tenha sido o maior de
todos.
Herói negro -ou de outra cor-
não há nenhum no pop -ou em
outro setor qualquer- destes
anos 90, com a possível exceção do
californiano Ben Harper, 27, que
lança agora (por enquanto só lá fora) seu terceiro disco, "The Will to
Live".
O álbum é exacerbação de promessas que Harper já efetivara anteriormente, de fincar no cenário
um trabalho de originalidade incomum à década que corre.
Como Gaye, Harper ameaça tornar-se, se não um herói (pois talvez eles não sejam mais possíveis),
ao menos alguém que reúne os requisitos de herói.
Como Gaye, possui voz sedosa e
qualidade de interpretação que
pulveriza qualquer candidato a rival; como Gaye, faz da delicadeza
arma primeira de convencimento;
como Gaye, pratica em suas canções uma modalidade própria e
anacrônica de pacifismo, de religiosidade, de práxis politicamente
correta.
Um dos vasos abertos de "The
Will to Live", por exemplo, é "I
Want to Be Ready", hino particular que rouba o refrão (sem mencionar, diga-se) de spiritual negro
tradicional que tematiza a morte e
a entrega da alma a Deus -o mesmo que, por puro espírito do tempo, a baiana Virgínia Rodrigues
acaba de gravar.
No mais, o álbum -agora em
companhia da banda/dupla The
Innocent Criminals- é igual a e
diferente de seus antecessores,
"Welcome to the Cruel World"
(94) e "Fight for Your Mind" (95,
ainda sua obra-prima).
É igual porque ainda se serve à
farta dos timbres acústicos maximizados por cítaras e percussão
em abundância e dos modos
aprendidos no folk, no blues, no
reggae e -claro- no soul e no
gospel.
É diferente porque, pela primeira vez, Harper empunha guitarra
elétrica, tornando mais complexa
a receita que sempre ofereceu.
O igual e o diferente convivem
em harmonia, embora a distorção
de guitarras force um resultado
perturbado, distanciado da tranquilidade de antes.
Exemplo é "Faded", faixa eletrificada de riffs retorcidos, em
que um intermezzo acústico em
violão de náilon fratura a melodia
em duas -encontram-se o Harper
de antes e o de agora.
"Homeless Child" também é
assim. É um blues à antiga, mas
tenso e distorcido, que é quebrado
por uma apoteose de percussão
quase tribal.
Se a novidade guitarrística enriquece o trabalho de Harper é caso
a meditar. A primeira impressão é
que não.
São as baladas lânguidas -"Widow of a Living Man", "I Shall
Not Walk Alone", "I Want to Be
Ready"- que, evocando mais de
perto Gaye e seus pares da soul
music, transformam o disco em
torvelinho e dão ao garoto lugar de
honra no pop dos 90. Se alguém
ainda precisar de um herói, Ben
Harper está aí, se oferecendo.
Disco: The Will to Live
Artista: Ben Harper
Lançamento: Virgin (importado)
Quanto: R$ 23
Onde encontrar: London Calling (tel.
011/223-5300)
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