São Paulo, terça, 1 de julho de 1997.



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Ben Harper, Marvin Gaye do futuro

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Heróis negros houve muitos na encruzilhada pop entre os anos 60 e os 70 -a mesma que mudou tudo o que viria a seguir-, e Marvin Gaye talvez tenha sido o maior de todos.
Herói negro -ou de outra cor- não há nenhum no pop -ou em outro setor qualquer- destes anos 90, com a possível exceção do californiano Ben Harper, 27, que lança agora (por enquanto só lá fora) seu terceiro disco, "The Will to Live".
O álbum é exacerbação de promessas que Harper já efetivara anteriormente, de fincar no cenário um trabalho de originalidade incomum à década que corre.
Como Gaye, Harper ameaça tornar-se, se não um herói (pois talvez eles não sejam mais possíveis), ao menos alguém que reúne os requisitos de herói.
Como Gaye, possui voz sedosa e qualidade de interpretação que pulveriza qualquer candidato a rival; como Gaye, faz da delicadeza arma primeira de convencimento; como Gaye, pratica em suas canções uma modalidade própria e anacrônica de pacifismo, de religiosidade, de práxis politicamente correta.
Um dos vasos abertos de "The Will to Live", por exemplo, é "I Want to Be Ready", hino particular que rouba o refrão (sem mencionar, diga-se) de spiritual negro tradicional que tematiza a morte e a entrega da alma a Deus -o mesmo que, por puro espírito do tempo, a baiana Virgínia Rodrigues acaba de gravar.
No mais, o álbum -agora em companhia da banda/dupla The Innocent Criminals- é igual a e diferente de seus antecessores, "Welcome to the Cruel World" (94) e "Fight for Your Mind" (95, ainda sua obra-prima).
É igual porque ainda se serve à farta dos timbres acústicos maximizados por cítaras e percussão em abundância e dos modos aprendidos no folk, no blues, no reggae e -claro- no soul e no gospel.
É diferente porque, pela primeira vez, Harper empunha guitarra elétrica, tornando mais complexa a receita que sempre ofereceu.
O igual e o diferente convivem em harmonia, embora a distorção de guitarras force um resultado perturbado, distanciado da tranquilidade de antes.
Exemplo é "Faded", faixa eletrificada de riffs retorcidos, em que um intermezzo acústico em violão de náilon fratura a melodia em duas -encontram-se o Harper de antes e o de agora.
"Homeless Child" também é assim. É um blues à antiga, mas tenso e distorcido, que é quebrado por uma apoteose de percussão quase tribal.
Se a novidade guitarrística enriquece o trabalho de Harper é caso a meditar. A primeira impressão é que não.
São as baladas lânguidas -"Widow of a Living Man", "I Shall Not Walk Alone", "I Want to Be Ready"- que, evocando mais de perto Gaye e seus pares da soul music, transformam o disco em torvelinho e dão ao garoto lugar de honra no pop dos 90. Se alguém ainda precisar de um herói, Ben Harper está aí, se oferecendo.

Disco: The Will to Live Artista: Ben Harper Lançamento: Virgin (importado) Quanto: R$ 23 Onde encontrar: London Calling (tel. 011/223-5300)


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