São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marco cultural, Sopranos se despedem

TV paga brasileira exibe os últimos nove episódios da série, considerada revolucionária pela crítica e pela academia

Último episódio da produção sobre família de mafiosos foi visto nos EUA em 12 milhões de lares, de um total de 30 milhões

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Você percebe que uma obra de ficção cruzou a tênue fronteira do entretenimento em direção ao marco cultural quando analistas e colunistas políticos comparam o atual ocupante da Casa Branca ao seu personagem principal -e esse se sai melhor na comparação-, e a mais bem-colocada líder de oposição na corrida presidencial é chamada pelo nome da mulher desse personagem.
"The End of Soprano Administration" (o fim do governo Soprano) é o título de uma edição recente da revista "Time", em que a semanal de informação relaciona os feitos de George W. Bush em seus seis anos de mandato aos de Tony Soprano nas seis temporadas da série de TV que começam a ter os nove episódios finais exibidos hoje à noite no Brasil, pela HBO.
(O SBT também exibe "Família Soprano", mas ainda está na terceira temporada; de qualquer maneira, vale ficar atento ao desagradável hábito do canal pago de reprisar episódios).
Em coluna no "New York Times", Maureen Dowd, uma das principais comentaristas políticas do jornal, critica a decisão de Hillary Clinton de ter feito propaganda política com uma paródia do polêmico último episódio da série, dizendo que Carmela (Edie Falco) tolerou as infidelidades do marido em troca de jóias -e a ex-primeira-dama fez o mesmo em troca da Casa Branca?, compara.
"Você só tem esse tipo de atitude com obras canônicas, e "Os Sopranos" é positivamente a melhor série dramática da história da TV", disse à Folha David Lavery, titular da cadeira de estudos televisivos da Universidade Brunel, de Londres. Antes da série, compara ele, os caracteres dos protagonistas tinham menos nuanças, e a ambigüidade só era aceita até certo ponto. "David Chase mudou tudo isso", afirma, referindo-se ao criador da série.
Lavery é autor de dois livros sobre o programa, "This Thing of Ours" (Essa nossa coisa, expressão que os personagens usam para se referir à Máfia) e "Reading the Sopranos" (Lendo os Sopranos), em que reúne ensaios de acadêmicos de diversas áreas sobre o seriado. Organiza ainda "The Sopranos - A Wake" (um funeral, na tradição irlandesa celebrizada pelo escritor James Joyce), seminário a ser realizado em 2008 pela Universidade Fordham, em Nova York.
Ele é o mais conhecido de uma série de estudiosos que, desde 1999, quando o primeiro episódio foi ao ar, se dedicam a dissecar "Sopranos" e sua importância para a cultura norte-americana. Foi então e nos próximos 85 capítulos que David Chase, um nativo de Nova Jersey, começou a contar a improvável saga do líder de uma família de mafiosos daquele Estado, interpretado por James Gandolfini.

Divã
Tudo começa quando Tony Soprano procura uma analista (Lorraine Bracco) por conta dos ataques de ansiedade que vem tendo e por suspeitar que sua mãe (a atriz Nancy Marchand, que trabalharia em 26 episódios e morreria em 2000) está planejando matá-lo, com a ajuda do tio do mafioso. A relação entre mãe e filho é vagamente baseada na relação do próprio Chase com sua mãe em particular e os pais em geral.
Em entrevista recente, ele conta, rindo, que visitou a família no mesmo lugar em que cresceu, no norte do Estado, anos depois de ter saído de casa em direção a Hollywood para tentar a sorte. Na volta, ele já era David Chase, o criador de "Sopranos", um dos nomes mais conhecidos do meio. Estava acompanhado da mulher, que ainda não conhecia os sogros. Seu pai abriu a porta, olhou para ele e disse: "Gosto de tudo o que você está usando, menos os sapatos".
"Chase usa a Máfia como metáfora das complicadas experiências familiares que todos nós temos e com isso consegue atrair um público mais diversificado", disse à Folha Douglas L. Howard, co-diretor do departamento de inglês da faculdade de Suffolk e autor de "Tasting Brylcreem - Law, Disorder, and the FBI in the Sopranos" (O gosto da brilhantina - lei, desordem e o FBI em "Os Sopranos")
Os números o amparam. O último episódio da série, que foi ao ar nos EUA em 10 de junho último, foi visto em 12 milhões de lares, um número impressionante quando se leva em conta que a HBO nos EUA chega a 30 milhões de casas, que pagam cerca de US$ 40 mensais pelo pacote, e que apenas um programa da TV aberta, que atinge 111 milhões de lares, conseguiu bater esse total no mesmo horário. A partir das 22h de hoje (horário de Brasília) e pelos próximos domingos, o assinante brasileiro confere se é tudo o que estão falando. Ou espera pelo DVD nacional, a sair em novembro.


Texto Anterior: Prefeitura lança programa de apoio a filmagens
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.