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Mika Lins leva Dostoiévski ao teatro
"Memórias do Subsolo" traz crítica ácida de ermitão à energia e à assertividade dos "homens de ação"
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Confinado num subsolo ordinário, sem identificação espaço-temporal, um sujeito vil
despeja sua bile contra as convicções inabaláveis dos "homens de ação", aqueles que escrutinam enciclopédias, manuais e bulas em busca de respostas, soluções e curas para
toda dúvida e todo mal. Prefere
a inércia.
"Memórias do Subsolo"
(1864), a novela que anuncia o
Dostoiévski (1821-1881) de
"Crime e Castigo" (1866) e "Irmãos Karamazov" (1880), é um
compêndio dos ataques desse
homem ao racionalismo. O monólogo homônimo que estreia
hoje, no Sesc Consolação, amplifica essa crítica.
"Por que a gente precisa se
entupir de remédios a cada velório? Nada contra, mas parece
que a gente não suporta mais o
instável, o difícil", provoca a
atriz Mika Lins, 43, que coassina a adaptação com Ana Saggese -concentrada na primeira
parte do livro. "O personagem
defende o direito à tristeza, a ficar quatro dias trancado em casa, "bodeado" numa cama. Gosto desse elogio ao lado feio da
vida. Se a gente perder a sombra, não terá luz."
Em tempos de discursos de
RH e marketing recheados de
aberrações como "otimização
de resultados" e "sinergia de
operações", a verborragia contraditória do protagonista é um
tapa na cara da assertividade,
dos imperativos de produtividade. Advoga pelo livre querer,
"mesmo que seja algo baixo"
-como ele diz a certa altura.
"O que é interessante é que
ele é um homem covarde, nunca diria isso a ninguém, não
pretende publicar suas memórias, daí a sua empáfia. O ator
tem de encontrar esse meio do
caminho entre o falar para si
mesmo e para o que seria um
público imaginário", afirma o
diretor, Cassio Brasil, 42.
O espaço cênico, um triângulo entrecortado por fios que vão
do teto ao chão, acirra a clausura do personagem e remete aos
retratos de tipos disformes, solitários por Picasso e Francis
Bacon -que captavam "a brutalidade do fato", frisa Brasil.
Sóbria, a encenação opta pela
economia de gestos. "Se não tomamos cuidado, todo teatro fica vaudevillesco, com movimentos e ações para entreter o
público", justifica o diretor.
Também dispensa a música, segundo Mika, "para evitar que
ela ilustre o texto". O subsolo é
austero e silencioso.
MEMÓRIAS DO SUBSOLO
Quando: estreia hoje; de qua. a sex., às
21h; até 7/8
Onde: Sesc Consolação - espaço Beta
(r. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo, tel. 0/ xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 10
Classificação: não indicado a menores
de 12 anos
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