São Paulo, quarta-feira, 01 de julho de 2009

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Mika Lins leva Dostoiévski ao teatro

"Memórias do Subsolo" traz crítica ácida de ermitão à energia e à assertividade dos "homens de ação"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Confinado num subsolo ordinário, sem identificação espaço-temporal, um sujeito vil despeja sua bile contra as convicções inabaláveis dos "homens de ação", aqueles que escrutinam enciclopédias, manuais e bulas em busca de respostas, soluções e curas para toda dúvida e todo mal. Prefere a inércia.
"Memórias do Subsolo" (1864), a novela que anuncia o Dostoiévski (1821-1881) de "Crime e Castigo" (1866) e "Irmãos Karamazov" (1880), é um compêndio dos ataques desse homem ao racionalismo. O monólogo homônimo que estreia hoje, no Sesc Consolação, amplifica essa crítica.
"Por que a gente precisa se entupir de remédios a cada velório? Nada contra, mas parece que a gente não suporta mais o instável, o difícil", provoca a atriz Mika Lins, 43, que coassina a adaptação com Ana Saggese -concentrada na primeira parte do livro. "O personagem defende o direito à tristeza, a ficar quatro dias trancado em casa, "bodeado" numa cama. Gosto desse elogio ao lado feio da vida. Se a gente perder a sombra, não terá luz."
Em tempos de discursos de RH e marketing recheados de aberrações como "otimização de resultados" e "sinergia de operações", a verborragia contraditória do protagonista é um tapa na cara da assertividade, dos imperativos de produtividade. Advoga pelo livre querer, "mesmo que seja algo baixo" -como ele diz a certa altura.
"O que é interessante é que ele é um homem covarde, nunca diria isso a ninguém, não pretende publicar suas memórias, daí a sua empáfia. O ator tem de encontrar esse meio do caminho entre o falar para si mesmo e para o que seria um público imaginário", afirma o diretor, Cassio Brasil, 42.
O espaço cênico, um triângulo entrecortado por fios que vão do teto ao chão, acirra a clausura do personagem e remete aos retratos de tipos disformes, solitários por Picasso e Francis Bacon -que captavam "a brutalidade do fato", frisa Brasil. Sóbria, a encenação opta pela economia de gestos. "Se não tomamos cuidado, todo teatro fica vaudevillesco, com movimentos e ações para entreter o público", justifica o diretor.
Também dispensa a música, segundo Mika, "para evitar que ela ilustre o texto". O subsolo é austero e silencioso.


MEMÓRIAS DO SUBSOLO

Quando: estreia hoje; de qua. a sex., às 21h; até 7/8
Onde: Sesc Consolação - espaço Beta (r. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo, tel. 0/ xx/11/3234-3000)
Quanto: R$ 10
Classificação: não indicado a menores de 12 anos




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