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CINEMA
Cronista do underground de NY emerge de mostra em SP
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Se Maya Deren foi, para a história do cinema experimental
americano, a mãe e musa inspiradora; se Kenneth Anger foi o mito; Andy Warhol, o papa; Jack
Smith, o iconoclasta (demoníaco); Stan Brakhage, o arquiteto; a
Jonas Mekas coube o papel de polemista e agitador.
Mekas, autor dos dois filmes
que abrem hoje a mostra de cinema e vídeo experimentais promovida pelo Itaú Cultural, era, na
Nova York do final dos anos 40,
um imigrante lituano foragido da
guerra que começava a substituir
pelo cinema de vanguarda o seu
interesse pela poesia romântica.
Alguns anos mais tarde, depois
de fundar com o irmão e parceiro
Adolfas a revista "Film Culture" e
se tornar um colunista influente
do "Village Voice", Mekas já polemizava com a velha-guarda do cinema experimental americano,
alfinetando tanto a geração abstracionista dos anos 50 quanto a
vertente simbolista capitaneada
por Maya Deren.
Impertinente, o jovem Mekas
sugeria à velha-guarda que amadurecesse mais os seus temas em
favor de uma abordagem mais
profunda das questões contemporâneas. Animado pela aparição
de obras inquietantes como "The
Flaming Creatures" (Jack Smith)
e "Blonde Cobra" (Bob Fleischer),
o crítico defendia a inovação da
cena vanguardista por uma nova
geração, vertente que denominou
a do "cinema baudelairiano" e na
qual presumivelmente se incluía.
Alguns anos mais tarde, porém,
tanto a velha quanto a jovem
guarda do cinema experimental
tomavam as páginas da "Film
Culture". Deren, que cogitara
processar Mekas, era convidada
pelo crítico a substituí-lo no "Village Voice", enquanto este se preparava para rodar o seu "Guns of
the Trees".
Figurinha fácil da cena underground nova-iorquina, criador de
cooperativas de cineastas independentes e depois fundador de
uma importante cinemateca, Mekas consagrou-se como agitador
cultural, mas a sua obra de cineasta não fica devendo. Embora não
constem entre os mais importantes (como "The Brig") e autorais
(a exemplo do primoroso "Walden") trabalhos do cineasta, os filmes em exibição no Cine Vídeo
Itaú apresentam Mekas, tanto o
agitador cultural quanto o poeta,
no ambiente que lhe é mais favorável, entre "amizades & interseções" na cena underground.
No primeiro filme, a vida e
(pop) arte de Andy Warhol ganham, na escritura descontínua e
esboçada de Mekas, nas imagens
tremidas, fragmentadas e inapreensíveis de sua super-8, uma
estética (hoje apropriada pelo videoclipe) que lhe é propícia.
"Cenas da Vida de Andy Warhol Amizades & Interseções",
lançado em 1990, abrange um período que vai (e volta) de 1966 a
1981, traz o registro da primeira
aparição pública da banda Velvet
Underground, cobre algumas das
exposições mais importantes de
Warhol e algumas das festas mais
badaladas da época, tudo a 16
quadros por segundo.
"Isto não é um documentário",
ressalta Mekas num intertítulo
(procedimento caro aos seus filmes-diários), "são apenas memórias", completa mais à frente. A
proposição vale ainda mais para
"Feliz Aniversário para John",
que registra alguns encontros
com John Lennon, do concorrido
aniversário do ex-Beatle em 1972
à sua morte em dezembro de
1980, de "He's Got the Whole
World in His Hand", canção entoada na festa de aniversário, ao
silêncio de luto do enterro.
Mekas, que ora filma Lennon
tocando violão com o poeta beatnik Allen Grinsberg, ora o flagra
jogando basquete com Miles Davis, surge frequentemente em cena, roubado de sua câmera, como
mais um personagem típico do
underground, surpreendido em
sua pose discreta de cronista
(ideal) da geração.
O resto da mostra, atração das
quintas-feiras deste mês no Itaú
Cultural, contempla desde a geração abstrata dos anos 50 até as
performances videográficas do
coreano Nam June Paik, duas delas concebidas na época do grupo
Fluxus, do "cinema de corpo" de
Shirley Clarke às formas moleculares de Jordan Belson. Destaque
para a célebre série realizada nos
anos 60, em 8 mm, por Stan Brakhage, "Songs".
CINE VÍDEO ITAÚ - onde: sala Itaú
Cultural (av. Paulista, 149, SP, tel. 0/xx/
11/3268-1776). Quando: a partir de hoje,
todas as quintas, às 20h. Quanto: entrada
franca. Hoje: "Scenes from the Life of
Andy Warhol" (EUA, 96) e "Happy
Birthday to John Lennon" (EUA, 96),
ambos de Jonas Mekas.
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