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São Paulo, sexta-feira, 01 de agosto de 2003

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FESTA LITERÁRIA DE PARATI

O britânico Julian Barnes, de "O Papagaio de Flaubert", é o destaque do dia

"Em Parati, eu quero esquecer a Europa"

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A PARATI

Com um papagaio empalhado, é, um papagaio empalhado, Julian Barnes conseguiu uma das vozes mais originais da literatura contemporânea mundial.
Em "O Papagaio de Flaubert", de 1984, ele fundiu ensaio, biografia e ficção em um fino romance que conta a história de um médico obcecado por Gustave Flaubert (1821-1880) a ponto de buscar no autor de "Madame Bovary" todas as respostas para sua vida.
A "trama" leva o doutor a encontrar em um museu na Normandia um louro empalhado que teria servido de modelo para o escritor na criação do romance "Um Coração Singelo". Ops, mas havia outro papagaio exposto em um segundo museu que levava os mesmos créditos. O que é fantasia, o que é realidade?
Estavam na mesa as credenciais que Barnes apresentaria obra afora, em até agora 14 livros (8 deles lançados no Brasil pela Rocco): humor, inteligência, flexibilidade narrativa e assim por diante.
Com 57 anos, o escritor inglês serve pela primeira vez amostras desse coquetel pessoalmente ao público brasileiro. Ele fala hoje às 18h em Parati, na primeira edição da Festa Literária Internacional da cidade fluminense, a Flip.
Na entrevista a seguir, o autor de "História do Mundo em Dez Capítulos e Meio" responde cinco perguntas (e meia) da Folha.
 

Folha - É impossível escrever sobre sua literatura sem passar por um elemento, o humor. Seus livros sempre têm algo de ironia, sarcasmo ou sátira. Por que o humor ocupa um papel tão decisivo em sua ficção?
Julian Barnes -
Poderia responder de duas formas. A primeira é que, como todos os romancistas, eu penso em mim mesmo como um escritor sério. Existem várias maneiras de ser um escritor sério. Uma delas é ser engraçado. A segunda resposta é que ser engraçado, e obrigado por achar isso de mim, é só uma parte do que sou. Não sento em minha máquina de escrever e penso: "Oh, hoje preciso contar piadas". Humor e ironia se expressam sozinhos.

Folha - O amor, e a impossibilidade de amar, é outro de seus temas centrais, não?
Barnes -
Tento nunca olhar para meus livros como uma obra. Não os releio e sempre que escrevo um livro tento me esquecer dos anteriores. Claro que trato um bocado sobre o amor, também sobre história, identidades nacionais, política e arte. Mas se pensasse em uma lista completa isso me impediria de escrever sobre algo diferente na próxima vez.

Folha - Seu último romance, "Amor, Etc.", foi uma retomada de um livro seu de dez anos antes. Você pretende fazer algum outro "a volta de"?
Barnes -
Bem, deixei o final de "Amor, Etc." ainda mais aberto do que o de "Em Tom de Conversa", assim não ficaria surpreso se voltasse a essa história. Mas não posso me imaginar fazendo uma sequência dos outros romances: "O Papagaio de Flaubert Voa de Novo". Não, melhor não.

Folha - Você esteve no famoso primeiro levantamento que a revista inglesa "Granta" fez dos melhores escritores jovens britânicos, em 1983. Ao seu lado, estavam autores como Martin Amis, Ian McEwan e Salman Rushdie. Vocês se sentem ou se sentiram como um grupo?
Barnes -
Nunca fomos propriamente um grupo. Escrevemos livros muito diferentes. Suponho que temos só características negativas em comum. Somos contra uma postura insular, que pensa pequeno, monótona. Escritores são sempre agrupados em "novas ondas". Mas, fora o fato de conseguirem alguma publicidade, não acho que isso os faça felizes. Cada um de nós pensa em si mesmo como elevados gênios imbecilmente conectados a um bando de anões literários.

Folha - Você é frequentemente chamado de o mais francês dos escritores britânicos, acaba de publicar uma tradução de Alphonse Daudet, sempre escreve sobre a França. Qual sua opinião sobre a literatura que está sendo feita lá? É mais forte do que a jovem prosa britânica?
Barnes -
O romance britânico está passando por uma fase interessante e bem diversa. Quão boa é essa fase não saberemos até a nossa morte. Mesmo os críticos franceses mais patriotas defenderiam que o romance lá não vive grande momento. Talvez por que muita energia intelectual foi direcionada para a teoria literária, sociologia, psicanálise e assim por diante, energia que poderia teria sido usada em romances.

Folha - O que você pretende fazer em Parati? Falar sobre sua literatura, ler algum trecho?
Barnes -
O que quero fazer em Parati? Esquecer a Europa, comer mariscos, falar de futebol, encontrar novas pessoas. OK, devo ler algo de "O Papagaio de Flaubert" e depois falar sobre meu trabalho.


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