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LIVROS
Crítica/"Estilo Tardio"
Obra fragmentária de Said analisa artistas diante da morte
Ensaios póstumos de crítico palestino partem da ideia de
que proximidade do fim permite abandono de convenções
FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Estilo Tardio" é o último livro de Edward Said, um dos
mais importantes críticos culturais do fim do século 20. "Último", aqui, tem sentido até paradoxal. Said morreu antes de
terminar um projeto: analisar
um possível estilo de artistas e
pensadores diante da morte
iminente. Sua obra tardia, portanto, ficou incompleta, e sua
mulher e seus amigos organizaram o material que deixou. O livro foi publicado em 2006 e sai
agora no Brasil.
O que seria estilo tardio? Segundo Said, a consciência da
morte, no artista e no pensador
radical, permite que ele abandone as convenções (as suas,
inclusive) de seu tempo e sua
"história", o que pode derivar
numa arte difícil, radical e irregular, estabelecendo uma "paisagem", uma espacialização do
tempo, que permite a descoberta de novas temporalidades.
Said não quer fazer um elogio
da melancolia ou da velhice como "sapiência". Aqui, o fim não
é a pacificação, mas a radicalização, a exposição do irreconciliável, pois, para ele, como para
seu mestre Adorno, na história
da arte, as obras tardias são "catástrofes". A ideia é tomada justamente de Adorno (em especial do ensaio sobre Beethoven
e seu estilo tardio), com quem
Said dialoga nesses ensaios.
Isso é uma ideia que se
apreende da leitura, e não exatamente um "conceito". O livro
não dá respostas definitivas
nem cria uma teoria cultural.
Trata-se de tentativas de abordar fragmentariamente um tema. Sua fraqueza vem justamente de um estilo de pensamento que retira seus objetos
da história: misturam-se Shakespeare, Sófocles, Adorno,
Thomas Mann e Glenn Gould
como se fossem idênticos no
tempo. Sua força reside no fato
de que o crítico tem os pés em
seu tempo, na política palestina, nas contradições da cultura
moderna, no papel do imperialismo, o que lhe permite buscar
no passado formas de entender
a atual alta cultura ocidental.
Viagem entre identidades
Por exemplo, o ensaio sobre
Jean Genet trata do escritor
francês em sua relação com o
movimento palestino e a cultura política árabe, mas também
com os Panteras Negras dos
EUA. Genet é para Said um
"viajante entre identidades" (o
ensaio tem uma contundente
crítica à "política das identidades" como forma avançada de
exportação do imperialismo!).
A personalidade tardia recusa a adequação à "sua" sociedade. É um estado de desbunde
que não espera ser reconhecido
no presente, como os quartetos
de Beethoven (que anteciparam a música futura) ou o exílio
autoimposto do pianista Gould,
que não sumiu para morrer,
mas para radicalizar ideias sobre a interpretação de Bach.
Said vê na ópera "Così fan Tutte", de Mozart, um "universo
sem esquemas redentores".
É
do que trata esse livro errático:
do momento em que a dialética
já não quer sínteses, e sim exibir o mundo em suas fraturas.
Para Michael Wood (autor da
introdução do livro), estes ensaios, em parte estabelecidos a
partir de notas de aulas e palestras, não podem ser vistos como o estilo tardio do escritor.
Said tinha leucemia, sabia que
morreria logo, mas não tinha
interesse em fazer uma obra
tardia. Porém, o estilo peculiar
de sua escrita, coloquial mas
também teórica, deveria aparecer aqui tanto quanto a fragmentação de texto e ideias. Um
desafio para o tradutor, Samuel
Titan Jr., que saiu-se muito
bem. É um livro bonito de ler.
FRANCISCO ALAMBERT é professor de história
social da arte e história contemporânea da USP.
ESTILO TARDIO
Autor: Edward Said
Tradução: Samuel Titan Jr.
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 43,50 (191 págs.)
Avaliação: bom
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