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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
De pais e filhos
Longe de soar revisionista, Cristovão Tezza desenvolve um sentido apurado do contraditório das coisas
A AUTENTICIDADE da voz que
narra "O Filho Eterno", de
Cristovão Tezza, não está
apenas na verdade da experiência do
autor, professor de lingüística, romancista premiado e pai de Felipe,
um rapaz de 26 anos com síndrome
de Down. Sóbria, ela passeia o leitor
por um tropel de ansiedades, culpas,
esperanças, mas encontra seu equilíbrio possível sob a forma de um auto-exame impiedoso, escrita de humildade não resignada, inconclusiva, que combina doses idênticas de
auto-inspeção feroz e autodesprezo
compreensivo.
Em livros como "Trapo" (1988),
"O Fantasma da Infância" (1994) ou
"Uma Noite em Curitiba" (1995),
Tezza consolidou, aos poucos, seu
narrador característico: um sujeito
urbano, fora do eixo Rio-São Paulo,
tensionado ironicamente entre a
consciência orgulhosa da criação e
as exigências rebaixadoras da vida.
Foi se afastando do modelo de "Ensaio da Paixão" (1986), romance alegórico embalado no último fôlego
das aspirações utópicas, mas também expressão autobiográfica, à beira do catártico, de uma vida "artística" e marginal, no teatro e nas comunidades alternativas.
O título de seu último romance
não faz referência apenas à relativa
incapacidade da criança de apreender a passagem do tempo, preenchê-lo ou esbanjá-lo segundo espera a
média das pessoas. Alude também à
necessidade de um ajuste de expectativas, reconhecimento de limites
que obriga o pai a abandonar a convicção mítica e narcisística de que a
arte lhe abriria indefinidamente todas as possibilidades. O nascimento
de Felipe força um mergulho na
própria insuficiência, choque que
faz o aspirante a poeta poundiano
abandonar a figura heróica do artista, Lúcifer que se basta, e abraçar a
prosa do mundo.
Reconstituindo os primeiros passos hesitantes do filho na busca por
inserção e autonomia, objetivado na
moldura de uma terceira pessoa, o
narrador ensaia uma modalidade
peculiar de romance de formação,
simétrica e invertida. Acompanhar
o menino pela mão, observar suas
razões implica reconsiderar escolhas, relativizar valores, refazer às
avessas, menos dogmático e seguro,
o próprio percurso. Longe de revisionista, desenvolve-se um sentido
apurado do contraditório das coisas:
o que era fantasma para a contracultura (como a rotina ou a normalidade) pode assumir o aspecto imprevisto de conquista desejável.
Certo que aqui há comoção que fere fundo, lembrando os poemas do
recente "Meu Filho, Minha Filha"
(Bertrand Brasil, 2007), de Fabrício
Carpinejar. Mas o Thomas Bernhard da epígrafe não é evocado em
vão. À maneira da autobiografia ficcional do escritor austríaco (traduzida em "Origem", Companhia das
Letras, 2006), trata-se de emoção
relembrada na intranqüilidade, examinada e descrita no que tem de
exemplar, mesmo -e principalmente- quando falível e não edificante. Cristovão Tezza é, hoje, um
escritor maduro.
O FILHO ETERNO
Autor: Cristovão Tezza
Editora: Record
Quanto: R$ 34 (222 págs.)
Avaliação: ótimo
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