São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Cenas abusivas exploram vazio existencial como Antonioni

FABIO CYPRIANO
DE SÃO PAULO

No quinto capítulo da quarta temporada de "Mad Men", Sally, a filha de dez anos de Don Draper, masturba-se enquanto assiste TV e a amiguinha dorme no sofá. A cena leva ao auge uma das principais marcas da série americana: ser politicamente incorreta.
Beber e estar bêbado em serviço, fumar o tempo todo, acendendo um cigarro no outro, mesmo quando quem fuma é uma mulher grávida, ou assediar sexualmente a secretária são situações corriqueiras em "Mad Men", mas impossíveis de se pensar numa série contemporânea.
Contudo, em vez de abusivas ou exageradas, tais cenas são a melhor ilustração de um vazio existencial que se cria nos Estados Unidos quando o país se transforma na grande potência mundial no início dos anos 1960.
O sonho americano -incorporado em Don Draper (Jon Hamm), um publicitário de sucesso que, agora na quarta temporada, chega a ganhar prêmios por sua própria agência, a Sterling Cooper Draper Pryce- não é tão doce como parece.
Como num filme de Michelangelo Antonioni, o outro lado do sucesso é uma vida melancólica, que nessa nova temporada está levando Draper ao inferno: o esfacelamento da família, que leva a filha ao psiquiatra, o acordar e arrepender-se da loira ao lado na cama, ou então o esquecer as ordens estúpidas que deu aos subordinados.
Citar Antonioni, aliás, não é gratuito. A própria vida de Draper lembra o clássico do diretor italiano, "Profissão Repórter" (1975), no qual um jornalista de sucesso, David Locke (Jack Nicholson) assume a identidade de um vizinho de seu quarto de hotel, que aparece morto.
Draper, afinal, é Richard Whitman, que assumiu a identidade de um tenente, morto em combate ao seu lado na guerra da Coreia. E a separação da bela Betty ocorre não pelas costumeiras infidelidades, mas por esconder a real identidade.
Entretanto, pelo que se viu até agora, Whitman começa a ganhar espaço dentro de Draper novamente, quando ele descobre que a mulher do tenente morto sofre de câncer. E esse retorno às origens pode levar essa temporada a desfechos inesperados.
Na sociedade das aparências, que o mundo dos publicitários cria sem o menor pudor, "Mad Men" está indo mais fundo que o lado fashion e cheio de estilo que a série exibe na superfície.


MAD MEN

AVALIAÇÃO ótimo




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