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"Violência já não inspira", diz Rio Branco
Sem fotografar desde 2008 e se dizendo em fase mais espiritual, artista ganha mostra que enfoca mal urbano
Além da exposição no MIS, fotógrafo também apresentará vídeo na Bienal de São Paulo e em Inhotim (MG)
BERNARDO CARVALHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Miguel Rio Branco está
construindo um labirinto na
casa onde mora há dois anos
e meio, em Araras (RJ). "É um
labirinto de árvores", esclarece o artista e fotógrafo, conhecido pelo universo urbano, sujo e visceral de suas
imagens.
"Não fotografo natureza,
não sou um paisagista, estou
experimentando, plantando
um labirinto", diz, entre as
mais de 40 imagens que, captadas desde 1970, retratam
detritos urbanos, periferias,
prostitutas e marginalizados
e constituem, com mais dois
vídeos e uma instalação, a
exposição "Maldicidades
-Marco Zero", aberta ao público a partir de hoje no Museu da Imagem e do Som.
Numa das fotografias, um
homem numa favela de Lima, no Peru, segura um jornal em que se lê a manchete:
"Murió el Cuerpo" (o corpo
morreu). O trabalho de Rio
Branco sempre privilegiou a
carne, o sangue e as vísceras
como o lugar da verdade, fosse entre prostitutas, boxeadores ou mendigos, a ponto
de a própria câmera dar a impressão de ser feita da mesma matéria viscosa do mundo observado pela membrana orgânica da lente. "Há seguramente alguma coisa de
verdade no corpo, se não a
gente não estaria aqui conversando", diz.
A foto foi feita para uma reportagem sobre economia informal para a revista alemã
"Stern". "Fiz pouco fotojornalismo. Estava sempre do
outro lado, onde não acontecia nada." Quando viveu em
Paris, de 82 a 83, como membro da agência Magnum, diziam que ele devia fotografar
Beirute. "Tinha um francês
que vivia em Ruanda. Nunca
entendi por que fotografava
tanto cadáver. Depois, expôs
as fotos, como arte."
MATÉRIA EMPOBRECIDA
A manchete do jornal peruano poderia servir também
de marca simbólica para um
novo ciclo na obra do artista,
em que a verdade do corpo
passa a ser projetada na natureza. Rio Branco não fotografa desde 2008, quando fez
uma exposição em Tóquio.
"Eu me identificava mais
com a marginalidade. Tudo
ficou violento demais. Passei
de uma fase mais ligada à
carne para uma coisa talvez
mais espiritual. Tem a ver
com o que eu vejo. Há um
empobrecimento da matéria.
E uma questão ligada só ao
dinheiro. Um excesso, um
consumo desenfreado, o último grito do capitalismo."
Não é por acaso que o vídeo "Nada Levarei Quando
Morrer Aqueles que Mim Deve Cobrarei no Inferno", realizado em 1979 com as prostitutas do Pelourinho, em Salvador, tenha sido selecionado para a 29ª Bienal de São
Paulo, que abre neste mês
com o tema arte e política.
"Não sei se isso que está aí
não vai abrir para outra coisa, porque essa porcaria vai
toda para o espaço. Ninguém
vai conseguir consumir continuamente, sem ter noção
de por que está consumindo.
As pessoas estão sendo forçadas a consumir, é uma situação fascista. A partir do
momento em que a arte vira
produto, ela tem que ser chamada de outra coisa, já não
pode ser chamada arte", diz.
Nesse sentido, o tema põe a
própria Bienal em questão.
Resta saber até onde.
FERRARIS
Na primeira noite de sua
visita a São Paulo (onde, em
1980, ele perdeu quase todo
o seu arquivo fotográfico
num incêndio) para a montagem da exposição no MIS,
Rio Branco entrou em pânico
com o barulho das ferraris na
madrugada diante do hotel.
"A ideia da exposição vem
da atração do mal nesse espaço urbano gigantesco, mas
a violência já não me inspira.
Prefiro trabalhar com a natureza. Sempre tive vontade de
fazer um trabalho duro sobre
São Paulo, mas acabo querendo sair fora antes."
Nascido em 1946, filho de
diplomata, bisneto do barão
do Rio Branco e neto do caricaturista J. Carlos, o fotógrafo
teve uma formação errática.
"A essência da fotografia
veio de revistas que eu via na
casa dos meus pais, tipo
"Elle" ou "Playboy". Houve
também um livro que me
marcou muito, com as primeiras fotos que os aliados fizeram dos campos de concentração. Havia essa dualidade entre vida e morte.
Sempre houve essa ambiguidade entre o bem e o mal no
meu trabalho. As mulheres
do Pelourinho estão lá cheias
de cicatrizes, posando como
se fossem modelos."
Além da Bienal, o vídeo do
Pelourinho integra também o
pavilhão dedicado ao artista,
a ser inaugurado no Centro
Inhotim de Arte Contemporânea (MG). O próprio colecionador e idealizador do
centro, Bernardo Paes, deu a
ideia do labirinto ao fotógrafo. Em Araras, Rio Branco estava tentando esconder o vizinho atrás de uma cerca viva. "Foi me dando uma certa
experiência. Acabei fazendo
um projeto de labirinto de
dois andares. Mas não vai a
Inhotim, não. Um labirinto
por encomenda não é mais
um labirinto."
MALDICIDADE -
MARCO ZERO
QUANDO de ter. a sáb., das 12h às
19h, dom. e fer., das 11h às 18h
ONDE MIS (av. Europa, 158, tel. 0/
xx/11/2117-4777)
QUANTO de R$ 2 a R$ 4 (grátis aos
domingos)
CLASSIFICAÇÃO não informada
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