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Argentino "lacônico" ganha tradução
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um homem de barba e cabelos
desgrenhados, numa noite parda
de Mendoza, na Argentina, é conduzido por mãos bruscas a porões
em que imperam os gritos e a dor.
Não é uma data qualquer, perdida
nos porões semelhantes do esquecimento ou em páginas amarelecidas de qualquer livro antigo:
trata-se da precisa noite em que se
instaurou o golpe militar no país,
em março de 1976.
O homem, que vasculha com
minúcia e terror a própria memória apenas para descobrir que jamais compreenderá por que está
sendo preso, apresenta-se: Antonio Di Benedetto. Um escritor argentino que nesse momento conta 53 produtivos anos de idade,
sendo já autor de uma série de livros bastante apreciados, mas só
pela crítica e por outros escritores.
Dele, chegam ao Brasil, agora e
nos próximos meses, três importantes romances a serem lançados
pela editora Globo: "Os Suicidas",
já nas livrarias, "El Silenciero" e
"Zama", sua obra principal.
Torturado, enclausurado por
mais de um ano e em seguida exilado, esse homem jamais voltará a
escrever com o mesmo afinco que
dedicava à tarefa nos anos 50 e 60,
quando produziu tais livros. Morrerá em 1986, sem grandes homenagens ou comoções. Sua obra já
escrita, no entanto, embora transite por vias vicinais às da literatura preponderante na época, já terá
deixado marca.
Di Benedetto, a princípio, passará a ser procurado mais pelo
ímpeto transgressor dos leitores
ávidos por livros censurados
-ainda que por si sós eles pouco
tivessem de consensualmente
subversivos. Mais tarde, será retomado por uma nova geração de
escritores, de Juan José Saer e Ricardo Piglia, posteriores ao chamado boom da literatura latino-americana. Por fim, alçado à subjetiva condição de grande autor.
No processo, amealhará reinterpretações de seus livros e de seu
papel naqueles fornidos anos da
literatura em língua espanhola,
abundantes em obras de Julio
Cortázar ou Gabriel García Márquez. "É uma figura que surge
num entretempo, que tem um estilo e um projeto criador muito
próprios, que pouco ou nada têm
a ver com a narrativa hegemônica
da época, tomada pelo realismo
mágico e pelas narrativas fantásticas", explica a professora da USP
Ana Cecília Olmos, que organiza
a nova publicação.
Luis Gusmán, um dos principais escritores dessa nova geração
que retoma Di Benedetto, autor
do prefácio para a edição brasileira de "Os Suicidas", irá completar
as palavras de Olmos: "Sempre
preferi chamar a obra de Di Benedetto de "intersticial" em vez de
"marginal", pois seus livros se conectam com o resto da literatura
argentina e modificam o campo
em que intervêm", diz. E acrescenta, em sutil crítica aos autores
altamente comercializados do
boom dos anos 1960: "Sua obra
atua a partir das sombras para iluminar a literatura a cada vez que,
ao se institucionalizar, esta se
converte em "terra de ninguém'".
Mas quais as características dessa obra que Saer se atreveu a classificar como "a mais original do
século 20"? Dos três livros a serem
encontrados no Brasil, pode-se
identificar em comum "uma escrita lacônica, breve, que aposta
no silêncio e na elipse", nas palavras de Olmos.
Quanto a enredos, contudo, as
semelhanças são esparsas. Enquanto o primeiro nos oferece
uma narrativa ágil e repleta de
ações, em um sem-número de referências e histórias relacionadas
ao suicídio, o segundo se concentra na interioridade do personagem, de modo até "solipsista",
ainda segundo Olmos. "Zama",
por fim, é o mais complexo dos
romances. Nele, de enredo transcorrido em fins de século 18, Di
Benedetto realiza um trabalho de
simultânea recriação e paródia da
linguagem da época, sem prejuízo
para a mostra do "desamparo e da
espera que angustia" seus personagens, de acordo com Gusmán.
É nos personagens que se retomam semelhanças. Em "Os Suicidas", de modo explícito, há um
protagonista seduzido pela idéia
da morte, mas também nos outros, diz Olmos, "os personagens
estão marcados por um desapego
à vida, carecendo de euforia vital". Semelhante aos personagens,
talvez, pode ter se tornado o sujeito cujos cabelos desgrenhados aos
poucos se tornaram grisalhos.
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