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Para Neves, pareceres técnicos orientam museografia
DA REPORTAGEM LOCAL
A Folha convidou curadores,
galeristas e diretores de museus e de algumas das principais instituições culturais do
país para fazer perguntas ao
presidente do Masp, Júlio Neves. Veja a seguir a entrevista.
MARCELO ARAUJO, diretor da Pinacoteca do Estado - Em sua visão, qual
será o futuro do Masp nos próximos
60 anos?
JÚLIO NEVES - Lamentavelmente, não estarei aí para conferir.
Gostaria, em primeiro lugar,
que essa coleção do Masp estivesse em estado tão bom quanto ela está hoje, que ela estivesse perfeitamente conservada.
Em segundo lugar, que o acervo
conseguisse ser multiplicado
em algumas vezes durante esses 60 anos. E, em terceiro, que
isso servisse para as próximas
gerações como ensino.
LISBETH REBOLLO GONÇALVES, diretora do Museu de Arte Contemporânea
da USP - Que relações existem entre o Masp dos primeiros tempos e a
ação que hoje ele projeta para a sociedade brasileira?
NEVES - O Masp exerceu um
papel na cultura do Brasil fundamental e pioneiro. E hoje,
graças a Deus, há outras entidades que fazem esse trabalho.
Esse trabalho pioneiro foi realmente seguido e aumentado
por todas essas entidades. Gostaríamos de ser sempre pioneiros. Diversas coisas começaram no Masp, como a ESPM, a Mostra de Cinema. Mas, hoje
em dia, com a grande produção
cultural, é importante que todos façam. Não desistimos, não
pela tradição ou pelo orgulho.
O Masp tem condição por causa
da marca, o museu tem um respeito mundial.
RAQUEL ARNAUD, galerista - Depois
dessa experiência de 60 anos, o
Masp pretende assumir uma atitude mais profissional, com cargos especializados definidos?
NEVES - É o que a gente tem feito. Obviamente é o que a gente
gostaria de fazer, até porque as
administrações não podem se
eternizar. É muito importante
ter para as próximas gerações.
Com certeza, é isso que a gente
tem buscado.
FOLHA - Há um prazo?
NEVES - Em um país como o
Brasil, é difícil. Gostaria que
fosse no menor prazo possível.
Mas, lamentavelmente, quando você depende de recursos financeiros e de outras pessoas, a
fixação de prazos... O museu é
atemporal, tem de estar aqui
daqui cem, 200 anos.
FOLHA - É preciso fazer uma mudança no estatuto?
NEVES - Precisa de uma adequação de estatuto para que você possa fazer. Essa questão de
ter uma entidade sem fins econômicos no Brasil, que faz com
que você não possa remunerar
seus dirigentes, é um fator limitador. Somos no fundo testamenteiros daqueles que fundaram o museu. Queremos que o
museu prossiga na linha que
eles fizeram, mas dentro de
uma estrutura profissional.
RICARDO OHTAKE, diretor do Instituto
Tomie Ohtake - Um grande problema do Masp é a perda daquele intenso movimento cultural da época
do professor Pietro Maria Bardi. A infra-estrutura se resolveu, embora
desobedecendo aos princípios de Lina Bo Bardi, a programação está
parcialmente encaminhada com a
criação da curadoria, mas como se
resolve a outra parte: a obtenção de
recursos financeiros a curto e médio
prazos? O sr. recorreu à elite econômica e social de São Paulo para contribuir com o desenvolvimento do
museu e, mais particularmente, para o aumento de seu acervo?
NEVES - Em primeiro lugar,
quero convidar o Ricardo para
voltar [ele já foi conselheiro do
museu] e nos ajudar. Independentemente do trabalho que
ele está fazendo no instituto,
ele tem um "sponsor" [patrocinador] lá e foi uma coisa muito
importante o que eles fizeram.
Mas não é o trabalho de um
presidente, é o trabalho de um
grupo. Uma pessoa sozinha não
consegue tocar um museu da
importância do Masp. E hoje o
Masp não é mais único. Na época do Bardi, o museu era sozinho, não tinha outro. Com a
atuação do próprio Tomie Ohtake, da Pinacoteca e de outros
institutos, como o Itaú e o Moreira Salles, seria até uma pretensão dizer que nós estamos
fazendo a mesma coisa que o
Bardi fez. Na área cultural e na
área da curadoria, estamos fazendo um trabalho extremamente importante e de grande
qualidade e competência.
PAULO HERKENHOFF, curador - Em
um país em que muitos museus só
atuam como centro cultural, o
Masp, que tem um acervo extraordinário, precisa adquirir obras para
continuar preenchendo da maneira
possível suas lacunas da história da
arte. Quais obras importantes entraram para o acervo da instituição à
altura do legado de Assis Chateaubriand e Bardi nesse período? Como
esse número de obras, essas peças e
essa possível descontinuidade afetam positiva ou negativamente a
missão do Masp?
NEVES - Gostaríamos de aumentar [o acervo] e obviamente isso não vamos conseguir,
nem temos ilusão de aumentar
dentro do porte daquilo que foi
conseguido pelo Chateaubriand e pelo Bardi no pós-guerra, porque hoje uma obra
dessas provavelmente custaria
mais caro que um museu brasileiro. O valor de uma obra dessas talvez fosse suficiente para
construir um prédio para um
museu. Quanto às doações, tem
uma porção de coisas, não quero destacar uma ou outra porque estaria fazendo um juízo de
valor. Recebemos em doação
um retrato de Chateaubriand.
Não é o valor intrínseco do quadro, mas o valor para o museu
de um quadro do nosso fundador pintado em 1954. Não está
na mesma categoria dos demais
da coleção, mas no simbolismo
é extremamente importante. O
Olney Kruze doou a coleção do
kistch, que não vale a mesma
coisa [que o resto do acervo]. O
Aloísio Faria [banqueiro] nos
deu um tríptico, uma coisa fabulosa, o cardeal Dom Claudio
Humes [atualmente prefeito da
Congregação para o Clero, espécie de "ministro" do papa] foi
lá para inaugurar. No Brasil,
nenhuma igreja tem uma obra
tão importante quanto esse
tríptico de 1500, mais velho que
o Brasil. Cada caso é um caso.
Não quero entrar no juízo de
valor, claro que continuamos
recebendo. Se quando fomos
para a Paulista tínhamos 600,
700 peças e hoje temos 8.000...
Claro que ele tem toda razão,
isso tem que ser feito e ampliado e é da maior importância.
MARTIN GROSSMANN, diretor do Centro Cultural São Paulo - A arquitetura
e o projeto museográfico do Masp
são considerados por especialistas
como um marco de uma nova concepção de museu de arte em permanente diálogo com a cidade e seus
transeuntes. Trata-se de uma prova
real e audaciosa que a vanguarda do
século 20 também se deu na periferia da cultura eurocêntrica. Por que
manter uma museografia de século
19, no lugar do projeto original e radical de Lina Bo Bardi que permite
que o museu seja fruído como uma
obra de arte aberta, em permanente
diálogo com o visitante?
NEVES - Aí as opiniões estão divididas. Essa é a opinião dele
[Martin Grossmann], e respeito, mas não é a minha. Não estou de acordo em dizer que voltamos a uma museografia do
século 19. Se estiver se referindo à forma como o acervo está
sendo exposto, no segundo andar, queria dizer que esses painéis existem nos principais
museus do mundo. Para falar
de forma objetiva, deve estar se
referindo aos painéis da Lina.
Há pareceres técnicos, feitos
pelo Luiz Marques e Luiz Hossaka [funcionários do museu],
com as razões pelas quais se
adotou esse sistema. É uma técnica contemporânea, não acredito que seja do século 19, mas
do século 21. É um engano dele.
EMANOEL ARAUJO, diretor do Museu
Afro-Brasil - Por que o sr., como arquiteto, não respeitou nem a museografia nem o próprio edifício de
sua colega de profissão?
NEVES - Está respondido na
pergunta anterior. Parece que o
museu é meu e estou fazendo as
coisas da minha cabeça. Isso foi
feito com base nos pareceres. E
em relação à arquitetura não
mexemos em nada. Nós simplesmente adaptamos o edifício às condições climáticas, que
ele [Emanoel] sabe perfeitamente que são necessárias,
condições ambientais, internas
do museu, controle de umidade
etc. Vamos separar: na questão
do prédio, nós adaptamos às
condições de hoje, com o maior
respeito em relação a tudo o
que foi feito, juntamente com
os órgãos de preservação. Em
relação à museologia, é a resposta anterior. Isso não é uma
coisa individual minha.
MARCIA FORTES, galerista - Por que o
sr. não deixa a direção do museu para quem entende e respeita a arte?
NEVES - Não vou responder,
porque é uma pergunta mal-educada. É a opinião dela.
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