São Paulo, segunda-feira, 01 de outubro de 2007

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Para Neves, pareceres técnicos orientam museografia

DA REPORTAGEM LOCAL

A Folha convidou curadores, galeristas e diretores de museus e de algumas das principais instituições culturais do país para fazer perguntas ao presidente do Masp, Júlio Neves. Veja a seguir a entrevista.

MARCELO ARAUJO, diretor da Pinacoteca do Estado - Em sua visão, qual será o futuro do Masp nos próximos 60 anos?
JÚLIO NEVES
- Lamentavelmente, não estarei aí para conferir. Gostaria, em primeiro lugar, que essa coleção do Masp estivesse em estado tão bom quanto ela está hoje, que ela estivesse perfeitamente conservada.
Em segundo lugar, que o acervo conseguisse ser multiplicado em algumas vezes durante esses 60 anos. E, em terceiro, que isso servisse para as próximas gerações como ensino.

LISBETH REBOLLO GONÇALVES, diretora do Museu de Arte Contemporânea da USP - Que relações existem entre o Masp dos primeiros tempos e a ação que hoje ele projeta para a sociedade brasileira?
NEVES
- O Masp exerceu um papel na cultura do Brasil fundamental e pioneiro. E hoje, graças a Deus, há outras entidades que fazem esse trabalho. Esse trabalho pioneiro foi realmente seguido e aumentado por todas essas entidades. Gostaríamos de ser sempre pioneiros. Diversas coisas começaram no Masp, como a ESPM, a Mostra de Cinema. Mas, hoje em dia, com a grande produção cultural, é importante que todos façam. Não desistimos, não pela tradição ou pelo orgulho. O Masp tem condição por causa da marca, o museu tem um respeito mundial.

RAQUEL ARNAUD, galerista - Depois dessa experiência de 60 anos, o Masp pretende assumir uma atitude mais profissional, com cargos especializados definidos?
NEVES
- É o que a gente tem feito. Obviamente é o que a gente gostaria de fazer, até porque as administrações não podem se eternizar. É muito importante ter para as próximas gerações. Com certeza, é isso que a gente tem buscado.

FOLHA - Há um prazo?
NEVES
- Em um país como o Brasil, é difícil. Gostaria que fosse no menor prazo possível. Mas, lamentavelmente, quando você depende de recursos financeiros e de outras pessoas, a fixação de prazos... O museu é atemporal, tem de estar aqui daqui cem, 200 anos.

FOLHA - É preciso fazer uma mudança no estatuto?
NEVES
- Precisa de uma adequação de estatuto para que você possa fazer. Essa questão de ter uma entidade sem fins econômicos no Brasil, que faz com que você não possa remunerar seus dirigentes, é um fator limitador. Somos no fundo testamenteiros daqueles que fundaram o museu. Queremos que o museu prossiga na linha que eles fizeram, mas dentro de uma estrutura profissional.

RICARDO OHTAKE, diretor do Instituto Tomie Ohtake - Um grande problema do Masp é a perda daquele intenso movimento cultural da época do professor Pietro Maria Bardi. A infra-estrutura se resolveu, embora desobedecendo aos princípios de Lina Bo Bardi, a programação está parcialmente encaminhada com a criação da curadoria, mas como se resolve a outra parte: a obtenção de recursos financeiros a curto e médio prazos? O sr. recorreu à elite econômica e social de São Paulo para contribuir com o desenvolvimento do museu e, mais particularmente, para o aumento de seu acervo? NEVES - Em primeiro lugar, quero convidar o Ricardo para voltar [ele já foi conselheiro do museu] e nos ajudar. Independentemente do trabalho que ele está fazendo no instituto, ele tem um "sponsor" [patrocinador] lá e foi uma coisa muito importante o que eles fizeram.
Mas não é o trabalho de um presidente, é o trabalho de um grupo. Uma pessoa sozinha não consegue tocar um museu da importância do Masp. E hoje o Masp não é mais único. Na época do Bardi, o museu era sozinho, não tinha outro. Com a atuação do próprio Tomie Ohtake, da Pinacoteca e de outros institutos, como o Itaú e o Moreira Salles, seria até uma pretensão dizer que nós estamos fazendo a mesma coisa que o Bardi fez. Na área cultural e na área da curadoria, estamos fazendo um trabalho extremamente importante e de grande qualidade e competência.

PAULO HERKENHOFF, curador - Em um país em que muitos museus só atuam como centro cultural, o Masp, que tem um acervo extraordinário, precisa adquirir obras para continuar preenchendo da maneira possível suas lacunas da história da arte. Quais obras importantes entraram para o acervo da instituição à altura do legado de Assis Chateaubriand e Bardi nesse período? Como esse número de obras, essas peças e essa possível descontinuidade afetam positiva ou negativamente a missão do Masp?
NEVES
- Gostaríamos de aumentar [o acervo] e obviamente isso não vamos conseguir, nem temos ilusão de aumentar dentro do porte daquilo que foi conseguido pelo Chateaubriand e pelo Bardi no pós-guerra, porque hoje uma obra dessas provavelmente custaria mais caro que um museu brasileiro. O valor de uma obra dessas talvez fosse suficiente para construir um prédio para um museu. Quanto às doações, tem uma porção de coisas, não quero destacar uma ou outra porque estaria fazendo um juízo de valor. Recebemos em doação um retrato de Chateaubriand.
Não é o valor intrínseco do quadro, mas o valor para o museu de um quadro do nosso fundador pintado em 1954. Não está na mesma categoria dos demais da coleção, mas no simbolismo é extremamente importante. O Olney Kruze doou a coleção do kistch, que não vale a mesma coisa [que o resto do acervo]. O Aloísio Faria [banqueiro] nos deu um tríptico, uma coisa fabulosa, o cardeal Dom Claudio Humes [atualmente prefeito da Congregação para o Clero, espécie de "ministro" do papa] foi lá para inaugurar. No Brasil, nenhuma igreja tem uma obra tão importante quanto esse tríptico de 1500, mais velho que o Brasil. Cada caso é um caso. Não quero entrar no juízo de valor, claro que continuamos recebendo. Se quando fomos para a Paulista tínhamos 600, 700 peças e hoje temos 8.000... Claro que ele tem toda razão, isso tem que ser feito e ampliado e é da maior importância.

MARTIN GROSSMANN, diretor do Centro Cultural São Paulo - A arquitetura e o projeto museográfico do Masp são considerados por especialistas como um marco de uma nova concepção de museu de arte em permanente diálogo com a cidade e seus transeuntes. Trata-se de uma prova real e audaciosa que a vanguarda do século 20 também se deu na periferia da cultura eurocêntrica. Por que manter uma museografia de século 19, no lugar do projeto original e radical de Lina Bo Bardi que permite que o museu seja fruído como uma obra de arte aberta, em permanente diálogo com o visitante?
NEVES
- Aí as opiniões estão divididas. Essa é a opinião dele [Martin Grossmann], e respeito, mas não é a minha. Não estou de acordo em dizer que voltamos a uma museografia do século 19. Se estiver se referindo à forma como o acervo está sendo exposto, no segundo andar, queria dizer que esses painéis existem nos principais museus do mundo. Para falar de forma objetiva, deve estar se referindo aos painéis da Lina.
Há pareceres técnicos, feitos pelo Luiz Marques e Luiz Hossaka [funcionários do museu], com as razões pelas quais se adotou esse sistema. É uma técnica contemporânea, não acredito que seja do século 19, mas do século 21. É um engano dele.

EMANOEL ARAUJO, diretor do Museu Afro-Brasil - Por que o sr., como arquiteto, não respeitou nem a museografia nem o próprio edifício de sua colega de profissão?
NEVES
- Está respondido na pergunta anterior. Parece que o museu é meu e estou fazendo as coisas da minha cabeça. Isso foi feito com base nos pareceres. E em relação à arquitetura não mexemos em nada. Nós simplesmente adaptamos o edifício às condições climáticas, que ele [Emanoel] sabe perfeitamente que são necessárias, condições ambientais, internas do museu, controle de umidade etc. Vamos separar: na questão do prédio, nós adaptamos às condições de hoje, com o maior respeito em relação a tudo o que foi feito, juntamente com os órgãos de preservação. Em relação à museologia, é a resposta anterior. Isso não é uma coisa individual minha.

MARCIA FORTES, galerista - Por que o sr. não deixa a direção do museu para quem entende e respeita a arte?
NEVES
- Não vou responder, porque é uma pergunta mal-educada. É a opinião dela.


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