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CRÍTICA JAZZ
Jazz essencial de Mehldau hipnotiza plateia
Show que o pianista fez anteontem na Sala São Paulo teve como ponto culminante "Blackbird", dos Beatles
SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA
Foi necessário que Brad
Mehldau desse um quinto bis
-"Exit Music" (For a Film),
do Radiohead- para que o
público finalmente ousasse
sair da Sala São Paulo.
O concerto solo do pianista norte-americano ocorreu
na quarta passada, como
parte da temporada "Música
pela Cura" da Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer).
A sequência de extras
-que incluiu ainda Nirvana
("Smells Like Teen Spirit") e
Nick Drake ("Things Behind
the Sun")- foi quase um segundo espetáculo, um show
dentro do show. Antes, Mehldau havia deixado o público
completamente hipnotizado
com suas improvisações sobre oito diferentes temas.
Há quem afirme que o jazz
é o complemento perfeito da
música erudita, as estruturas
móveis da improvisação como contraparte da escrita artesanal. Nesse sentido, mais
do que um estilo localizado,
ele seria uma tradição dotada
de certo grau de universalidade, passível, portanto, de
utilizar materiais das mais diversas procedências.
A arte de Mehldau, derivada da escola de Keith Jarrett,
ajuda a pensar os destinos
dessa tradição e aceita também a escuta profunda da
música, que vai de Bach a
Brahms -com os seus rigores de imitação, articulações,
vozes internas e contrastes
de dinâmica.
Cada show de Mehldau parece ter um projeto sonoro
próprio, algo que ele exercita
através das canções que toma como pretexto para improvisar.
Desta vez o foco estava na
espacialização do som e no
controle tênue do tempo. Do
ponto de vista técnico, predominou uma tendência a
compor figuras, um movimento em desenvolvimento,
um pulsar de blocos permanentemente alterados, mas
que, simultaneamente, soavam estanques.
As improvisações não seguiam literalmente o padrão
dos "chorus": ele preferia
apostar no desenvolvimento
de seções fragmentadas, como se criasse pequenas peças autônomas, às quais dotava de liberdade para assumir a condução formal, sem
compromissos estilísticos.
O ponto culminante começou a ser tramado pelas modulações e evocações pontuais do retorno do tema em
"My Favorite Things" (Rodgers e Hammerstein), o que
preparou o terreno para uma
inesquecível versão de
"Blackbird", dos Beatles.
A música de Mehldau é
sempre séria, mas nunca pesada. Recusa paródias, clichês e citações. Não se serve
do outro e por isso tem um sabor arcaizante, arquetípico. É
jazz essencial, feito nos segredos do instante.
BRAD MEHLDAU - SALA SÃO
PAULO
AVALIAÇÃO ótimo
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