São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2010

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CRÍTICA JAZZ

Jazz essencial de Mehldau hipnotiza plateia

Show que o pianista fez anteontem na Sala São Paulo teve como ponto culminante "Blackbird", dos Beatles

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Foi necessário que Brad Mehldau desse um quinto bis -"Exit Music" (For a Film), do Radiohead- para que o público finalmente ousasse sair da Sala São Paulo.
O concerto solo do pianista norte-americano ocorreu na quarta passada, como parte da temporada "Música pela Cura" da Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer).
A sequência de extras -que incluiu ainda Nirvana ("Smells Like Teen Spirit") e Nick Drake ("Things Behind the Sun")- foi quase um segundo espetáculo, um show dentro do show. Antes, Mehldau havia deixado o público completamente hipnotizado com suas improvisações sobre oito diferentes temas.
Há quem afirme que o jazz é o complemento perfeito da música erudita, as estruturas móveis da improvisação como contraparte da escrita artesanal. Nesse sentido, mais do que um estilo localizado, ele seria uma tradição dotada de certo grau de universalidade, passível, portanto, de utilizar materiais das mais diversas procedências.
A arte de Mehldau, derivada da escola de Keith Jarrett, ajuda a pensar os destinos dessa tradição e aceita também a escuta profunda da música, que vai de Bach a Brahms -com os seus rigores de imitação, articulações, vozes internas e contrastes de dinâmica.
Cada show de Mehldau parece ter um projeto sonoro próprio, algo que ele exercita através das canções que toma como pretexto para improvisar.
Desta vez o foco estava na espacialização do som e no controle tênue do tempo. Do ponto de vista técnico, predominou uma tendência a compor figuras, um movimento em desenvolvimento, um pulsar de blocos permanentemente alterados, mas que, simultaneamente, soavam estanques.
As improvisações não seguiam literalmente o padrão dos "chorus": ele preferia apostar no desenvolvimento de seções fragmentadas, como se criasse pequenas peças autônomas, às quais dotava de liberdade para assumir a condução formal, sem compromissos estilísticos.
O ponto culminante começou a ser tramado pelas modulações e evocações pontuais do retorno do tema em "My Favorite Things" (Rodgers e Hammerstein), o que preparou o terreno para uma inesquecível versão de "Blackbird", dos Beatles.
A música de Mehldau é sempre séria, mas nunca pesada. Recusa paródias, clichês e citações. Não se serve do outro e por isso tem um sabor arcaizante, arquetípico. É jazz essencial, feito nos segredos do instante.


BRAD MEHLDAU - SALA SÃO PAULO

AVALIAÇÃO ótimo


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