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29ª BIENAL DE ARTES
Mexicano desenha o tempo dos presídios
Antonio Macotela mostra quatro anos de sua relação com detentos
Em troca de visitar a família ou se vingar de alguém, artista pedia que presos fizessem desenhos e escrevessem
DE SÃO PAULO
Dentro ou fora de uma cela, o tempo vale o mesmo. Pelo menos é o que tenta provar
a obra obsessiva do mexicano Antonio Vega Macotela.
Ele expõe agora na Bienal
de São Paulo um registro de
365 trocas de favor entre ele e
alguns dos 4.000 detentos do
presídio de Santa Marta, na
Cidade do México. Por quatro
anos, Macotela se infiltrou
entre os presos para entender
o tempo subjetivo da prisão.
"Essa é uma microssociedade, em que cada um conta
o tempo que falta da pena a
cumprir", diz Macotela. "Eles
sabem o que é duração."
Embora a ação refaça o ciclo de um ano, o fato de ter levado quatro deles para ser
concluída também revela a
distorção de escalas entre o
tempo morto lá dentro e a vida que transcorre lá fora.
Macotela serviu de canal
para cada preso, emprestando mãos, olhos e o próprio
corpo a anseios de cada um.
"No começo, tudo parecia
loucura", lembra. "Um deles
queria que deitasse na cama
dele em casa e escutasse Luis
Miguel olhando para o teto."
Essa cena está num vídeo
exposto no pavilhão. É a trilha sonora da vida lá fora que
embala a contemplação de
outra parede, uma que pode
ser trocada pela liberdade a
qualquer momento, numa
duração dilatada e não ritmada por prazos judiciais.
Em troca, Macotela pediu
ao detento que escrevesse
seus sonhos no lençol que
usava na cama de sua cela.
GEOGRAFIA ORGÂNICA
Cada ação lá fora, como
ouvir Luis Miguel, ficar bêbado no batizado de um sobrinho, presenciar os primeiros
passos de um filho, tinha seu
equivalente formal, e um
tanto obsessivo, lá dentro.
Um detento mapeou três
trajetos no presídio sob efeito
de três drogas diferentes, maconha, crack e cocaína. Outro juntou unhas cortadas de
seus colegas de cela. Também há coleções de fios de
cabelo e pontas de cigarro.
Desenhos toscos, de traços
sôfregos, catalogam batidas
cardíacas ou mesmo a respiração ao longo de uma hora.
Um livro de mil páginas aparece atravessado com fúria
pelos dedos de um preso.
Macotela documenta sopros de vida desesperados
entre quatro paredes, uma
geografia orgânica e pulsante que se debate contra os
muros de concreto. O artista
descobre nesse exercício um
tempo latente, desvelando
um potencial interrompido.
"São sistemas de representação do tempo, esse tempo
como cartografias do movimento e de caprichos", diz o
artista. "Eles sabem que enquanto fazem qualquer coisa
que eu peça, estou com a família deles, bebendo por
eles, fazendo o que fariam."
Enquanto não sai, um dos
presos rouba tijolos para
construir um fogão. Macotela
pediu que escrevesse neles
até completar um ciclo do desaparecimento, transformando sobrevivência em algo perto da arte.
(SILAS MARTÍ)
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