São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2011

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ROCK IN RIO? NÃO, JOÃO DO RIO

Allan Sieber e Allan Rabelo produzem livros em que adaptam para HQ a obra do cronista, autor de "A Alma Encantadora das Ruas"

Allan Sieber e Allan Rabelo
Acima, em adaptação de Allan Sieber para o conto "Pequenas Profissões", marinheiro é enganado no porto por ambulante

ROBERTO KAZ
DE SÃO PAULO

É 1916. João do Rio bebe vinho, em um camarim, ao lado da dançarina americana Isadora Duncan (1877-1927).
Ela começa a se despir, após uma apresentação no Theatro Municipal do Rio, mas é prontamente interrompida por ele: "Querida, por favor, não perca o decoro. Troque-se atrás do biombo."
Ela brinca -"Já viste mais que isso, João"-, relembrando o banho que tomara, nua, em uma cachoeira da Tijuca. "Parece ter gostado."
"Puro prazer estético", responde João do Rio.
A cena, desenhada por Allan Rabelo, faz parte do projeto de adaptação das obras do cronista João do Rio (1881-1921) para as HQs.
Há duas em andamento: a de Rabelo (com roteiro de S. Lobo para a editora Barba Negra) e a do cartunista Allan Sieber (para a Desiderata).
O trabalho de Rabelo e S. Lobo deve ficar pronto em 2013. Por ora, eles estão adaptando "A Alma Encantadora das Ruas", coletânea das crônicas publicadas por João do Rio no jornal "A Gazeta de Notícias" e na revista "Kosmos", entre 1904 e 1907.
Os dois, que já trabalharam na adaptação "Irmãos Grimm em Quadrinhos" (Desiderata), tomaram a liberdade de criar personagens, como Massarelo Lopes, imigrante que dá golpes baratos, faz michê e tem um caso com João.
Se ativeram, no entanto, à linguagem da época. Assim, falam do suposto "flirt" (flerte) do cronista com Isadora Duncan, quando ela esteve no Rio em 1916.
As crônicas de João do Rio retratavam, com afeto, um submundo de personagens marginais que compunham a fauna urbana carioca no começo do século 20.
Eram ciganos, prostitutas, tatuadores, marinheiros e vigaristas que esfolavam gatos mortos para vendê-los, aos restaurantes, como lebres (daí a expressão "comprou gato por lebre").
João do Rio, ele mesmo, não representava os padrões vigentes: andava de fraque verde, era gordo (tinha hipotireoidismo) e homossexual.
Segundo João Carlos Rodrigues, autor de "João do Rio - Vida, Paixão e Obra" (Civilização Brasileira), a faceta "maldita" das crônicas refletia um lado também maldito do autor. "Ele era um dândi, que frequentava a alta sociedade mas era contra ela."
Essa postura irônica foi uma das razões que motivaram o cartunista Allan Sieber a também fazer uma adaptação, a ser lançada em 2012.
"No começo, sugeriram 'O Triste Fim de Policarpo Quaresma', do Lima Barreto, que não combinava com o meu traço", disse Sieber. "Quando trocaram pelo João do Rio, topei, porque ele tinha aquele ar meio cínico."
Sieber, quadrinista da Folha, dividiu sua versão em três partes. Baseou-as no conto "O Homem de Cabeça de Papelão" e nos livros "Dentro da Noite" e "A Alma Encantadora das Ruas".
Diz quase não ter alterado a narrativa: "Eu ficava travado com a reconstituição histórica, mas o restante estava ali, pronto". Preocupou-se em não fazer "um livro condensado para idiotas, um 'João do Rio for Dummies'".
Também no livro de Sieber há cenas em meio a prostitutas, michês e trombadinhas. Numa delas, o texto diz: "As meretrizes mandam marcar corações com o nome dos amantes. Se brigam, removem a tatuagem e marcam o mesmo nome no calcanhar. É a maior das ofensas: nome no chão, roçando a poeira...".


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