São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

livros

Inéditos revelam Lúcio Cardoso 'policial'

Pesquisadora descobre cerca de 220 contos escritos por ele nos anos 1940 e 50 e que recriavam crimes da época

As histórias serão reunidas em dois livros que a Record prepara para 2012, centenário de nascimento do autor


JOSÉLIA AGUIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Um Lúcio Cardoso que tem fascínio por crimes comezinhos, a ponto de ter pesadelos com eles.
Esse ângulo do autor mineiro (1912-68) sobressai agora num acervo há meio século esquecido: cerca de 220 contos e minicontos inéditos em livro, escritos entre as décadas de 40 e 50 e publicados em "A Manhã" e "A Noite".
São em parte histórias publicadas numa coluna em que recriava crimes da época com personagens reais.
Quem o descobriu foi a jornalista e editora Valeria Lamego, ao pesquisar sobre a obra do autor para sua tese de doutorado (PUC-RJ).
Seria esse um Lúcio Cardoso rodriguiano?
A pesquisadora diz que, ao contrário das crônicas policiais do autor de "A Vida como Ela É", que possuem realismo e certo humor, as de Lúcio Cardoso têm tons dramáticos e solenes.
Sua poética de beleza incomum, diz a pesquisadora, pode ser vista até nas crônicas mais simples. Os contos longos têm a influência de Poe e Dostoiévski. "Não há uma gota de prosaísmo e de circunstância em sua escrita."

DETETIVE
Nem familiares se lembravam, nem pesquisadores da obra de Cardoso notaram a existência desses textos. Os inéditos serão reunidos em dois livros que a Record prepara para 2012, centenário de nascimento do autor.
Encontrar esses contos e minicontos exigiu o que Valéria Lamego chama de "ação detetivesca".
Com as pistas deixadas nos arquivos guardados hoje na Fundação Casa de Rui Barbosa, ela procurou os prováveis textos em jornais da época, numa operação de arqueologia literária que levou uma década.
"Devem existir mais contos dos anos 1930 e 1940."

ALÉM DO REGIONALISMO
Com o regionalismo em voga a partir da década de 1930, autores como Lúcio Cardoso, de linha intimista, tinham menos chances de ser publicados. "O realismo descritivo era considerado uma leitura de esquerda, escrita por autores saídos de partidos comunistas. Os demais ficaram na sombra e ganharam a pecha de obscurantistas", explica a pesquisadora.
Autor de uma recente biografia de Clarice Lispector -amiga de Lúcio e também de linha intimista-, Benjamin Moser concorda: "O que tinham de novo era que não se encaixavam nem na nova direita nem na nova esquerda. E o fato de muitos desses escritores serem mulheres ou homossexuais não ajudou num cenário político em que a masculinidade era central".
Luis Bueno, autor de "Uma História do Romance de 30", lembra que, apesar do ataque de parte da crítica, havia também muito respeito por nomes como Lúcio Cardoso, Cornélio Penna, Cyro dos Anjos e, um pouco mais tarde, Clarice Lispector.
"É verdade que não encontraram um público leitor tão grande quanto outros autores, mas nenhum deles era um marginal. O estatuto de 'maldito' atribuído a alguns, como o próprio Lúcio Cardoso, é posterior."


Texto Anterior: Crítica pop: Stevie Wonder ganha coro com "Garota de Ipanema"
Próximo Texto: Trecho
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.