São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Dostoiévski antecipa invenções do século 20 em "O Duplo"

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DA PUBLIFOLHA

O tradutor e ensaísta Paulo Bezerra tem se dedicado nos últimos anos a uma laboriosa tradução das obras do russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
Com o lançamento da novela "O Duplo" ("Dvoinik"), a importante coleção soma agora 14 volumes.
Aos 24 anos, Dostoiévski caiu nas graças da crítica com seu livro de estreia, "Gente Pobre" (1846). A mesma crítica, porém, recebeu com estranhamento e frieza "O Duplo" (também de 1846), considerado "enfadonho e verboso", como descreveu o próprio autor em sua correspondência, além de um pastiche de "O Diário de Um Louco", de Gógol (1809-1852).
A posteridade tratou de reavaliar o livro, hoje tido como uma das obras centrais do escritor. "Parece-me que foi a melhor coisa que ele escreveu", afirmou Vladimir Nabokov (1899-1977), ressaltando os detalhes "quase joyceanos" do livro.

ASSOMBROSA INVENÇÃO
"O Duplo" é uma assombrosa invenção literária feita a partir de quase nada. Seu protagonista, Golyádkin, é um funcionário público de baixo escalão, mais um daqueles pequenos homens que povoam as obras do escritor.
Afetado por algum transtorno psicológico, ele passa a digladiar-se com um duplo de si, um Golyádkin segundo, que vem perturbar sua vida e seu trabalho.
Dostoiévski constrói, pioneiramente, uma narrativa que vai embaralhando o que é "real" e o que é alucinação, até o ponto de as flutuações da consciência (e da demência) do personagem se imporem à objetividade da escrita realista.
"Dostoiévski realizou uma espécie de revolução coperniciana em pequenas proporções, convertendo em momento da autodefinição do herói o que era definição sólida e conclusiva do autor", analisou o teórico russo Mikhail Bakhtin (1895-1975).
O leitor penetra na obra como se estivesse numa típica novela do Oitocentos russo, esbarra com o que parece ser uma história fantástica e acaba imerso numa vigorosa sátira social (e política) e numa aventura protovanguardista, que antecipa experiências literárias do século 20.

O DUPLO
AUTOR Fiódor Dostoiévski
EDITORA 34
TRADUÇÃO Paulo Bezerra
QUANTO R$ 39 (240 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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