São Paulo, sábado, 01 de outubro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Delírio gráfico e pop revela versatilidade de Joca Terron

CLÁUDIO PORTELLA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Comecemos pelo fim. É por onde o livro "Não Há Nada Lá", de Joca Reiners Terron, começa, na página 154, pelo capítulo 48. Ou termina. Os números das páginas vão diminuindo, feito a contagem do tempo antes de Cristo, até o capítulo zero, quando a irmã Lúcia escreve uma carta encomendada por Deus.
A carta vai se iluminando nas páginas seguintes, até desaparecer por completo. E é esse o mais interessante aspecto gráfico do livro. O texto se desintegrando.
Terron é formado em desenho industrial. Foi editor e tem experiência em arte gráfica. Ele juntou esses conhecimentos com o universo pop e fez um livro sob medida.
Os capítulos intercalam passagens das histórias de sete personagens, uns mais que outros, que hoje alimentam o imaginário pop. São eles, pela ordem: William Burroughs (o mais pop dos escritores beats), Raymond Roussel (o inventor do trailer), Torquato Neto (ficciona como teria sido o famoso encontro do poeta com Jimi Hendrix), Isidoro Ducasse, Arthur Rimbaud (ficciona um encontro do poeta com o pistoleiro Billy The Kid), Aleister Crowley (ficciona seu encontro com Fernando Pessoa) e a irmã Lúcia (uma das crianças portuguesas que tiveram as visões de Nossa Senhora).
Os relatos dos acontecimentos que os personagens protagonizam não são meros frutos da imaginação do escritor, são calçados com informações de pesquisa. No encontro de Torquato Neto com Jimi Hendrix, o poeta brasileiro está exatamente com as pessoas que disse que estava no momento do encontro e isso se torna mais claro quando no capítulo 18 o autor transcreve um texto inteiro do diário do Torquato Neto.
"Sem dúvida copilado do livro "Os Últimos Dias de Paupéria", organizado por Waly Salomão. Acrescenta-se à receita algumas ilustrações e pronto -eis um livro deveras curioso.
Depois do capítulo zero há um adendo com informações biográficas interessantes sobre quase todos os personagens. A única lacuna está no poeta Torquato Neto, quando é dito que não sabemos nada sobre ele.
Compreendo que a primeira edição do livro é de 2001. Mas de lá para cá muito se escreveu sobre Torquato Neto, inclusive a biografia de Toninho Vaz publicada em 2005.
Costuma-se dizer que o escritor que joga em todas as posições, como é o caso de Terron, acaba pulverizando um pouco sua literatura. Se eu tivesse que optar por uma aptidão de Terron, optaria pelo prosador. Seu livro, sem dúvida, mostra que ele é um dos melhores do nosso Brasil contemporâneo.

CLÁUDIO PORTELLA é escritor, poeta e crítico literário.

NÃO HÁ NADA LÁ
AUTOR Joca Reiners Terron
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 24 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom




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