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31ª Mostra de SP
Filmo mensagens à sociedade, diz Jia
Homenageado pela Mostra, o cineasta chinês Jia Zhang-ke reafirma comprometimento de sua obra com a realidade de seu país
Influenciado pelas profundas transformações da China na década de 80, diretor vê ligação do país com a Itália do Pós-Guerra
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Homenageado pela 31ª Mostra Internacional de São Paulo
com uma retrospectiva de sua
obra, o chinês Jia Zhang-ke, 37,
se considera representante de
sua geração - cujo evento marcante, segundo ele, é o massacre da praça da Paz Celestial,
em 1989- e de Fenyang, pequena cidade onde nasceu e viveu até os 18 anos. Tudo o que
faz, conta o cineasta, é comprometido com essas origens.
"Não quero me afastar dessa
realidade", diz. Seu "filho" preferido é "Plataforma" (2000),
que recria o lugar e o período
nos quais se formou. "A primeira metade é a história da minha
irmã mais velha, e a segunda foi
vivida por mim."
O tradutor brasileiro Inty
Mendoza, 32, fez a ponte entre
o mandarim e o português na
entrevista concedida por Jia à
Folha na tarde da última terça
em São Paulo. A seguir, os principais trechos da conversa.
AS ORIGENS
Passei pelas profundas transformações ocorridas na China
durante a década de 1980. Retratar essas mudanças é um
projeto consciente, que abrange toda a minha obra.
No ano em que me formei no
ensino médio, houve o massacre da praça da Paz Celestial.
Quando entrei na faculdade,
em 1993, houve um período de
abertura mais pronunciada da
economia e de transformação
social ainda mais rápida e radical. Foram experiências muito
inspiradoras.
Quando começo a escrever os
roteiros, vivo um processo de
distanciamento dos personagens que me leva a uma análise
da sociedade. Procuro um ponto de vista pessoal sobre os fatos. É algo que mantenho com
muita rigidez. Tento não me
sujeitar a modismos ou aos discursos oficiais. Os filmes são o
que sinto em relação à sociedade e o que quero dizer a ela.
AS INFLUÊNCIAS
Na década de 1980, houve
uma febre de filosofia ocidental
na China. Autores como Sartre
e Nietzsche passaram a ser
muito lidos. Peguei esse movimento na minha idade escolar.
Esse contato me influenciou
muito. Foi também o período
de ruptura com o maoísmo,
com o pensamento único.
Durante a Revolução Cultural, não havia cultura popular,
que era abafada. Mas, quando
eu estava em meu processo de
formação, ela começou a ressurgir, pela música popular,
que vinha primeiro de Taiwan e
de Hong Kong, e depois do Ocidente. "Plataforma" retrata como a cultura popular interfere
na visão das pessoas.
Os diretores que mais me influenciaram nesse período foram os da chamada "quinta geração" chinesa, como Zhang Yimou e Chen Kaige. "Terra
Amarela" (1984), de Kaige, me
fez decidir ser cineasta. Seus
filmes tinham uma linguagem
diferente, de experimentação, e
uma atitude de rebeldia.
A "SEXTA GERAÇÃO"
Os diretores da chamada
"sexta geração" chinesa, da
qual faço parte, têm pontos em
comum, como retratar as mudanças radicais depois da abertura econômica e dar voz às
pessoas comuns que sofrem as
conseqüências desse processo.
Há, também, uma característica da sociedade chinesa, vinculada à política, que é a implantação coletiva de projetos, atingindo um número muito grande de pessoas, para não dizer a
sociedade inteira.
Os grandes programas do governo afetam a todos. Nenhum
chinês que viveu durante a Revolução Cultural deixou de ter
uma experiência direta com isso. As conseqüências do massacre da praça da Paz Celestial
também foram percebidas e
sentidas por todos. A reforma
econômica, idem.
Como os cineastas chineses
participam coletivamente da
vida em sociedade, os pontos
em comum aparecem nas
obras.
OS MESTRES
Se há alguma semelhança entre os meus filmes e os do neo-realismo italiano, é por causa
do ambiente social em que são
feitos. A China de hoje, com
seus dilemas e contradições, se
parece com a Itália do Pós-Guerra. Quando "Pickpocket"
foi lançado, um crítico japonês
disse que, apesar de ser um filme chinês de 1997, parecia
muito o Japão do Pós-Guerra.
Essas aproximações existem.
Em termos de estilo, sofri uma
influência muito grande de Michelangelo Antonioni. Foi por
meio de seus filmes que tive a
compreensão de como explorar
a beleza do espaço no cinema.
Robert Bresson e Yasujiro Ozu
também foram importantes.
Conheci todos eles quando estudava cinema em Pequim.
NA INTERNET - Leia outros trechos
da entrevista com Jia Zhang-ke no
blog Ilustrada no Cinema
folha.com.br/ilustradanocinema
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