São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

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31ª Mostra de SP

Filmo mensagens à sociedade, diz Jia

Homenageado pela Mostra, o cineasta chinês Jia Zhang-ke reafirma comprometimento de sua obra com a realidade de seu país

Influenciado pelas profundas transformações da China na década de 80, diretor vê ligação do país com a Itália do Pós-Guerra

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Homenageado pela 31ª Mostra Internacional de São Paulo com uma retrospectiva de sua obra, o chinês Jia Zhang-ke, 37, se considera representante de sua geração - cujo evento marcante, segundo ele, é o massacre da praça da Paz Celestial, em 1989- e de Fenyang, pequena cidade onde nasceu e viveu até os 18 anos. Tudo o que faz, conta o cineasta, é comprometido com essas origens.
"Não quero me afastar dessa realidade", diz. Seu "filho" preferido é "Plataforma" (2000), que recria o lugar e o período nos quais se formou. "A primeira metade é a história da minha irmã mais velha, e a segunda foi vivida por mim."
O tradutor brasileiro Inty Mendoza, 32, fez a ponte entre o mandarim e o português na entrevista concedida por Jia à Folha na tarde da última terça em São Paulo. A seguir, os principais trechos da conversa.
 

AS ORIGENS
Passei pelas profundas transformações ocorridas na China durante a década de 1980. Retratar essas mudanças é um projeto consciente, que abrange toda a minha obra.
No ano em que me formei no ensino médio, houve o massacre da praça da Paz Celestial. Quando entrei na faculdade, em 1993, houve um período de abertura mais pronunciada da economia e de transformação social ainda mais rápida e radical. Foram experiências muito inspiradoras.
Quando começo a escrever os roteiros, vivo um processo de distanciamento dos personagens que me leva a uma análise da sociedade. Procuro um ponto de vista pessoal sobre os fatos. É algo que mantenho com muita rigidez. Tento não me sujeitar a modismos ou aos discursos oficiais. Os filmes são o que sinto em relação à sociedade e o que quero dizer a ela.

AS INFLUÊNCIAS
Na década de 1980, houve uma febre de filosofia ocidental na China. Autores como Sartre e Nietzsche passaram a ser muito lidos. Peguei esse movimento na minha idade escolar. Esse contato me influenciou muito. Foi também o período de ruptura com o maoísmo, com o pensamento único.
Durante a Revolução Cultural, não havia cultura popular, que era abafada. Mas, quando eu estava em meu processo de formação, ela começou a ressurgir, pela música popular, que vinha primeiro de Taiwan e de Hong Kong, e depois do Ocidente. "Plataforma" retrata como a cultura popular interfere na visão das pessoas.
Os diretores que mais me influenciaram nesse período foram os da chamada "quinta geração" chinesa, como Zhang Yimou e Chen Kaige. "Terra Amarela" (1984), de Kaige, me fez decidir ser cineasta. Seus filmes tinham uma linguagem diferente, de experimentação, e uma atitude de rebeldia.

A "SEXTA GERAÇÃO"
Os diretores da chamada "sexta geração" chinesa, da qual faço parte, têm pontos em comum, como retratar as mudanças radicais depois da abertura econômica e dar voz às pessoas comuns que sofrem as conseqüências desse processo. Há, também, uma característica da sociedade chinesa, vinculada à política, que é a implantação coletiva de projetos, atingindo um número muito grande de pessoas, para não dizer a sociedade inteira.
Os grandes programas do governo afetam a todos. Nenhum chinês que viveu durante a Revolução Cultural deixou de ter uma experiência direta com isso. As conseqüências do massacre da praça da Paz Celestial também foram percebidas e sentidas por todos. A reforma econômica, idem.
Como os cineastas chineses participam coletivamente da vida em sociedade, os pontos em comum aparecem nas obras.

OS MESTRES
Se há alguma semelhança entre os meus filmes e os do neo-realismo italiano, é por causa do ambiente social em que são feitos. A China de hoje, com seus dilemas e contradições, se parece com a Itália do Pós-Guerra. Quando "Pickpocket" foi lançado, um crítico japonês disse que, apesar de ser um filme chinês de 1997, parecia muito o Japão do Pós-Guerra.
Essas aproximações existem. Em termos de estilo, sofri uma influência muito grande de Michelangelo Antonioni. Foi por meio de seus filmes que tive a compreensão de como explorar a beleza do espaço no cinema. Robert Bresson e Yasujiro Ozu também foram importantes. Conheci todos eles quando estudava cinema em Pequim.

NA INTERNET - Leia outros trechos da entrevista com Jia Zhang-ke no blog Ilustrada no Cinema
folha.com.br/ilustradanocinema


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