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Comentário
Atração era cosmopolita entre concorrentes provincianos
TONY GOES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O "Fantástico" era indispensável. Numa época em que não
havia TV a cabo e muito menos
internet, o programa tinha tudo: notícias, música, humor, esporte e mais um monte de coisas difíceis de classificar. Era
um rolé pelo mundo no domingo à noite, um fecho de ouro para o fim de semana.
Lá em casa assistíamos todos
juntos, num ritual espontâneo,
igual ao de milhões de famílias.
Achávamos maravilhosa a coreografia da abertura, aquelas
pessoas fantasiadas fazendo
uma espécie de dança da fertilidade. Além de glamouroso, o
"Fantástico" talvez tenha sido
o primeiro programa não provinciano da televisão brasileira.
Tinha uma visão cosmopolita,
enquanto seus concorrentes na
época, como Silvio Santos, falavam apenas de suas paróquias.
Era uma delícia conhecer a
clínica da dra. Aslan, vibrar
com os gols da rodada e ver um
clipe de Elis Regina, tudo na
mesma noite. Aliás, a palavra
"clipe" ainda nem existia, mas o
"Fantástico" foi o pioneiro do
gênero no Brasil. Até então, os
cantores brasileiros se apresentavam na TV sempre num
palco, de microfone na mão
mesmo quando faziam playback. O "Fantástico" os libertou. Era assombroso o quanto a
Globo investia nessas superproduções, ainda mais porque
eram exibidas uma única vez. A
emissora parecia ter orgulho de
gastar tanto e assim impor seu
famoso padrão de qualidade.
O tempo foi passando, o
mundo foi mudando e o programa também. Sumiu a zebrinha, ícone dos primeiros tempos, que anunciava os resultados da então importante Loteria Esportiva. Hoje, ela parece
ainda mais tosca: nem animação 2D era. Também sumiu a
música. O programa, que antes
tinha espaço até para "alternativos" como Tom Zé, passou a
exibir apenas trechos de trabalhos dos medalhões. Hoje, a
música só dá as caras quando
morre algum cantor.
E sumiu também a abertura.
O programa atual começa de
sopetão, sem o famoso tema.
Mesmo assim, basta surgir a vinheta do intervalo para detonar na minha cabeça a letra cafona e otimista, escrita pelo Boni: "Olhe bem, preste atenção".
Não dá para cobrar do "Fantástico" a mesma hegemonia de
antes. A vida se fragmentou, as
opções se multiplicaram. Hoje,
nossa atenção se divide em mil
coisas. Com o "Fantástico"
aconteceu o contrário. O caleidoscópio de antigamente hoje
tem menos cores e por isso é
mais difícil de ser visto.
TONY GOES , 49, é diretor de criação da Publicis
Brasil
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