São Paulo, Quarta-feira, 02 de Fevereiro de 2000


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Deteriorando Aleijadinho

Sergio Falci/Folha Imagem
Um dos profetas, em processo de deteriorização



Os 12 profetas em pedra-sabão do artista barroco estão se desfazendo em Congonhas do Campo; especialistas desconhecem técnicas de restauro para o material


CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

O principal patrimônio artístico e cultural de Congonhas do Campo -as imagens dos 12 profetas esculpidas em pedra-sabão por Aleijadinho no século 18- está se desfazendo.
A deterioração do patrimônio faz com que a cidade, a 83 km de Belo Horizonte, viva um dilema: enquanto parte dos moradores defende a substituição das estátuas por réplicas e a preservação dos originais em um ambiente controlado, outros alegam que a substituição afastaria os turistas.
"Se você fosse ao Egito ver as pirâmides e encontrasse réplicas, como se sentiria?", diz o prefeito de Congonhas, Altary de Souza Ferreira Junior (PSDB), defensor da manutenção das esculturas no adro da basílica do Senhor Bom Jesus do Matosinhos, onde estão desde meados do século 18.
"Há muita resistência da população à substituição dos profetas. Temos de fazer um trabalho de conscientização aos poucos, porque se continuar assim, em alguns anos não vai existir mais nada", afirma o secretário municipal de Cultura, Lúcio Coimbra.
O problema torna-se ainda mais grave, de acordo com Coimbra, porque não há uma técnica segura para a restauração de pedra-sabão.
Expostas ao ar livre no adro da basílica, as esculturas mostram não só as marcas do tempo, mas também do vandalismo de visitantes.
Assinaturas "esculpidas" com objetos pontiagudos tomam conta dos pés e pernas das estátuas. Manchas esverdeadas e esbranquiçadas, possivelmente causadas por fungos, surgem nas cabeças, costas e braços dos profetas.
"Não se descobriu ainda o que fazer. Enquanto isso, as imagens vão se estragando", afirma Coimbra.
O dilema que divide os cerca de 40 mil habitantes de Congonhas começa a ganhar contornos de superstição.
"As pessoas acreditam que, cada vez que se fala em mexer nos profetas, acontece alguma coisa ruim. Por isso ninguém se atreve a tirá-los de lá", diz o prefeito.
A superstição em torno da retirada das imagens começou em meados de 1977.
Ferreira Junior conta que caminhões de mudança amanheceram na cidade para levar as imagens dos profetas para uma exposição que aconteceria no MAM do Rio de Janeiro.
"Os moradores não permitiram a retirada das imagens. Poucos meses depois, o museu pegou fogo", diz o prefeito, referindo-se ao incêndio que em 1978 destruiu quase todo o acervo e o prédio do MAM, no centro do Rio.
A "cisma", como diz o prefeito, ficou. Quase 20 anos depois, um novo convite e uma nova recusa. Dessa vez, conta o prefeito, para que os profetas fizessem parte da Bienal Internacional de São Paulo, em 1998.
"A população não gostou da idéia e foi resolvido que as obras não seriam emprestadas. Depois, teve aquela chuva que inundou tudo lá, inclusive as salas onde os profetas iam ficar", relembra Ferreira Filho.
O temporal de granizo citado pelo prefeito de Congonhas atingiu São Paulo às vésperas da abertura da Bienal, em outubro, e danificou partes do pavilhão de exposições, que ficou com salas alagadas e várias goteiras.
O mais recente convite para que as obras-símbolo de Aleijadinho fossem expostas não chegou nem ao conhecimento da população.
Em meados do ano passado, organizadores da exposição de arte barroca brasileira que ocupa o Petit Palais, em Paris, procuraram a Prefeitura de Congonhas para negociar o empréstimo dos profetas.
"Recusei logo, nem perguntei para ninguém. Iam dizer que se elas saíssem daqui aconteceria alguma coisa."


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