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Chabon se enfronha no mundo das HQs
SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
Quando a vetusta comissão do
Prêmio Pulitzer da Faculdade de
Jornalismo da Universidade Columbia decidiu laurear o escritor
Michael Chabon no ano passado
por sua ficção "As Incríveis Aventuras de Kavalier & Clay", ele logo
pensou que algo estava errado.
O Pulitzer é o mais prestigioso
-e sério- prêmio jornalístico e
literário dos EUA. E nada menos
sério, neste sentido, do que o livro
que o escritor havia acabado de
lançar. Despretensiosamente, a
obra relata a história de dois amigos que, durante a Segunda Guerra, se unem e criam um super-herói para combater os nazistas.
Seu nome é O Escapista, um
verdadeiro paradoxo alado, e basta uma lida rápida em "Kavalier &
Clay" para entender por que o Pulitzer continua sendo o mais respeitado entre os prêmios: o livro é
realmente muito, muito bom.
A história começa quando o polonês Josef Kavalier desembarca
na Nova York do final dos anos
30, fugido do gueto judeu de Varsóvia. O menino de 18 anos se encanta com o clima da cidade e encontra em seu primo, Samuel
Klayman, um parceiro à altura
para sua paixão pela HQ.
Juntos desenvolvem o tal super-herói, que combate o ditador "Attila Haxoff", cujos soldados "razistas" invadiram a "Dracônia", a
"Gotsilvânia" e a "Zotênia". Ele é
apaixonado por Luna Moth, inspirada na paixão da dupla, a doce
Rosa de Luxemburgo Saks.
A invenção faz sucesso, Samuel
vira Sammy Clay e é aí que começam as incríveis aventuras de Kavalier e Clay. Curioso notar que,
quanto mais Josef fracassa em tirar o resto da família da Europa
ocupada, mais O Escapista vai ganhando superpoderes e aliados.
O estilo lembra o de outro livro
de Chabon, "Garotos Incríveis",
também lançado pela Record.
Chabon nasceu em Washington
em 1960 e é um sujeito vaidoso,
como atestam suas fotos de divulgação e sua estampa na quarta capa de seus livros. Usa os cabelos à
Pedrinho Aguinaga da época do
comercial dos cigarros Chanceler
e anda sempre impecável. Casado
e heterossexual, foi chamado pela
revista semanal "Newsweek" de
"o próximo grande nome da literatura gay", numa gafe famosa.
Tão famosas embora menos
embaraçosas são as comparações
que a crítica especializada norte-americana vem fazendo desde
que ele lançou seu primeiro romance, "The Mysteries of Pittsburgh" (Os Mistérios de Pittsburgh), em 1989.
"Lembra o J.D.Salinger de "O
Apanhador no Campo de Centeio'", "lembra o F. Scott Fitzgerald de "Grande Gatsby'" foram
alguns dos epítetos. Ele finge desdenhar e se enfronha cada vez
mais no mundo dos quadrinhos.
À época do Pulitzer, Chabon
disse à Folha que a HQ "tatuou
minha alma com suas cores gritantes". Agora, vem estreitando
sua relação com o cinema: adapta
"Kavalier & Clay" para o estúdio
Paramount, que ainda não tem
data para levar o livro às telas.
Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha.
Folha - Qual seria a reação d'O Escapista aos ataques terroristas de
11 de setembro?
Michael Chabon - Acho que ele, o
Super-Homem, o Batman e o resto deles poderiam ter evitado a
coisa toda. Pensei muito no personagem Super-Homem enquanto via as cenas dos aviões se chocando contra as torres do World
Trade Center. Acho que muitas
pessoas pensaram o mesmo...
Folha - Como você chegou ao tema de "Kavalier & Clay"?
Chabon - Começou com uma
caixa de revistas em quadrinhos...
Fui um grande leitor de HQ quando era pequeno, dos seis aos 15
anos. Colecionava as revistas, lia e
relia e até mesmo criava meus
próprios personagens. Então perdi o interesse completamente.
Vendi minha coleção e não pensei
no tema por uns 15 anos.
Foi quando achei uma caixa escondida que tinha esquecido por
todos esses anos. Abri o embrulho, e aquele cheiro invadiu o porão, aquele cheiro de papel velho.
Fui tomado por lembranças, uma
sensação de que minha infância
tinha sido guardada intacta ali.
Mais ou menos na mesma época li
um artigo sobre o Super-Homem,
na revista do Smithsonian, se não
me engano, que descrevia como
Seigel e Shuster criaram o personagem. Sempre quis escrever algo
que pudesse se passar nessa época, dos anos 30 aos 50, a época de
ouro da HQ, que sempre me fascinou. Foi aí que pensei: vou fazer
um romance sobre quadrinhistas
nos anos 40.
Folha - Como foi seu processo de
pesquisa? Você nasceu quase 20
anos depois do período que descreve com uma riqueza de detalhes
impressionante.
Chabon - Tive muita sorte de estar vivendo na época em Los Angeles e agora em Berkeley (Califórnia), ambas cidades com bibliotecas incríveis, nas quais eu
passava os dias. Além disso, passei um mês em Nova York, tanto
em pesquisa de campo, já que é
onde a história acontece, quanto
na biblioteca da cidade. Afundei-me em edições antigas da (semanal) "New Yorker". Passava dias
inteiros folheando as revistas.
Também conhecia muito pouco
sobre a arte do escapismo (no
sentido da atividade dos mágicos
de se livrar de correntes e cadeados, não no sentido moral) quando comecei o livro. Não tinha
idéia de que faria parte da história, muito menos uma parte tão
determinante como ficou.
Acontece que há uma literatura
enorme sobre essa atividade em
geral e sobre Harry Houdini em
particular. É um material muito
rico e estranhamente muito pouco usado em ficção. Tive de me
controlar para não deixar o tema
ganhar mais espaço do que devia
no livro, de tão interessante que é.
Folha - E de onde vem seu interesse por essa época?
Chabon - Meu pai foi o responsável por fazer com que as primeiras
décadas do século passado na
América ficassem tão interessantes para mim quando eu era pequeno. Ele era cheio de histórias
sobre os shows de rádio, os políticos, os filmes, a música, os esportistas. E, como era do Brooklyn,
suas memórias e seu ponto de vista tinham uma perspectiva muito
nova-iorquina, que ficou entranhada em mim. Acho que não é
por acaso que dediquei "Kavalier
& Clay" a Robert Chabon.
Folha - O que vai fazer agora?
Chabon - Após o roteiro para a
Paramount? Trabalho num livro
infantil para a editora Talk/Miramax, a ser lançado no outono.
Folha - Por fim, você conhece algo de literatura brasileira?
Chabon - Li Jorge Amado, é claro. Qualquer um que se considere
amante de literatura deveria lê-lo.
Além disso, temo dizer que não
conheço muito. O que sugere?
Folha - Por que você não começa
com o melhor livro do melhor escritor brasileiro, "Epitaph of a Small
Winner" ("Memórias Póstumas de
Brás Cubas", em inglês), de Machado de Assis? Woody Allen é fã.
Chabon - [respondendo no dia
seguinte" Acabei de comprar o livro. Depois conto o que achei.
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