São Paulo, sexta-feira, 02 de fevereiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jovens revelam aflições parecidas

Alunos da periferia e de áreas nobres queixam-se, em "Pro Dia Nascer Feliz", da ausência dos pais e da falta de perspectivas

Filme também mostra as diferenças de suporte em escolas públicas e privadas; pobres convivem com precariedade e descaso


DA SUCURSAL DO RIO

Os depoimentos dos jovens de seis escolas com perfis distintos permitem ao espectador de "Pro Dia Nascer Feliz" perceber que, apesar das gritantes desigualdades, há inquietações comuns entre eles.
A ausência dos pais, por exemplo, aparece tanto nas falas de jovens infratores quanto na de uma menina de classe média alta não identificada. "Meus pais trabalham tanto que não têm tempo para me entender", diz a adolescente.
Outras contam como é difícil se destacar nos estudos num ambiente em que nem sempre isso é um fator de inclusão social. "Meus colegas me acham diferente porque gosto de ler", conta Valéria, 16 na época do documentário, aluna de uma escola pública em Manari (PE), uma das cidades com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil.
No colégio Santa Cruz, em Alto de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, a queixa de Ciça, 16, é parecida: "Às vezes eu me pergunto: será que estou estudando muito? Eu senti que neste ano menos meninos se interessaram por mim. Às vezes fico achando que as pessoas olham para mim e dizem: "Essa menina só estuda'".
O medo também é outra característica em comum. "Tenho medo de coisas totalmente complexas e grandiosas, como o medo da morte, o que acontece depois da vida, quem sou eu, o que vai acontecer comigo. São coisas que você começa a pensar e que não tem resposta", diz Thais, 15, de Alto de Pinheiros.
Keila, 16, de uma escola pública de Itaquaquecetuba, dá um depoimento ainda mais dramático: "Eu chegava da escola, deitava na cama e ficava o dia inteiro dormindo. Comia deitada na cama, porque pra mim a solução dos meus problemas seria morrer".
As semelhanças, no entanto, acabam quando se compara o ambiente em volta dos jovens em Alto de Pinheiros e nas demais escolas. A rotina constante de falta de aulas e de descompromisso de professores e alunos com o ensino, por exemplo, é escancarada nos depoimentos nas escolas públicas.
No caso das periferias, o filme também destaca o papel da violência. Ao comentar as inúmeras agressões e xingamentos sofridos na escola, uma diretora desabafa: "O professor está preparado, mas não para esse tipo de aluno".
Um dos depoimentos mais fortes do filme é o de uma jovem agressora que conta como matou uma colega: "Ela quis me barrar na festa. Eu pensei: "Ela tem que morrer, essa safada". Fui procurar ela na hora do intervalo e encontrei no corredor. Aí foi daquele jeito. Mandei ver. E ela lá no chão, estirada. Ela ia morrer de qualquer jeito um dia. Eu só antecipei".
Apesar desses depoimentos, "Pro Dia Nascer Feliz" também mostra que, para alguns adolescentes, a escola pode fazer a diferença. Keila, a menina que pensava em morrer, acha uma válvula de escape escrevendo poemas no fanzine da escola.
Douglas, 16, aluno de uma escola em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), não disfarça o orgulho que sentiu quando foi a um baile funk armado. Mas ele também sente o mesmo orgulho ao se apresentar num grupo de percussão do colégio.
"Se existe algum caminho para esses jovens, é o do protagonismo. Eles estão sendo tolhidos. A escola tem que achar alguma forma criativa deles extravasarem, porque, caso contrário, eles vão procurar outros caminhos para isso", diz o diretor João Jardim. (ANTÔNIO GOIS)

Texto Anterior: Meninos do Brasil
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.