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Jovens revelam aflições parecidas
Alunos da periferia e de áreas nobres queixam-se, em "Pro Dia Nascer Feliz", da ausência dos pais e da falta de perspectivas
Filme também mostra as diferenças de suporte em escolas públicas e privadas;
pobres convivem com precariedade e descaso
DA SUCURSAL DO RIO
Os depoimentos dos jovens
de seis escolas com perfis distintos permitem ao espectador
de "Pro Dia Nascer Feliz" perceber que, apesar das gritantes
desigualdades, há inquietações
comuns entre eles.
A ausência dos pais, por
exemplo, aparece tanto nas falas de jovens infratores quanto
na de uma menina de classe
média alta não identificada.
"Meus pais trabalham tanto
que não têm tempo para me entender", diz a adolescente.
Outras contam como é difícil
se destacar nos estudos num
ambiente em que nem sempre
isso é um fator de inclusão social. "Meus colegas me acham
diferente porque gosto de ler",
conta Valéria, 16 na época do
documentário, aluna de uma
escola pública em Manari (PE),
uma das cidades com menor
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil.
No colégio Santa Cruz, em
Alto de Pinheiros, zona oeste
de São Paulo, a queixa de Ciça,
16, é parecida: "Às vezes eu me
pergunto: será que estou estudando muito? Eu senti que neste ano menos meninos se interessaram por mim. Às vezes fico achando que as pessoas
olham para mim e dizem: "Essa
menina só estuda'".
O medo também é outra característica em comum. "Tenho medo de coisas totalmente
complexas e grandiosas, como
o medo da morte, o que acontece depois da vida, quem sou eu,
o que vai acontecer comigo. São
coisas que você começa a pensar e que não tem resposta", diz
Thais, 15, de Alto de Pinheiros.
Keila, 16, de uma escola pública de Itaquaquecetuba, dá
um depoimento ainda mais
dramático: "Eu chegava da escola, deitava na cama e ficava o
dia inteiro dormindo. Comia
deitada na cama, porque pra
mim a solução dos meus problemas seria morrer".
As semelhanças, no entanto,
acabam quando se compara o
ambiente em volta dos jovens
em Alto de Pinheiros e nas demais escolas. A rotina constante de falta de aulas e de descompromisso de professores e alunos com o ensino, por exemplo,
é escancarada nos depoimentos nas escolas públicas.
No caso das periferias, o filme também destaca o papel da
violência. Ao comentar as inúmeras agressões e xingamentos
sofridos na escola, uma diretora desabafa: "O professor está
preparado, mas não para esse
tipo de aluno".
Um dos depoimentos mais
fortes do filme é o de uma jovem agressora que conta como
matou uma colega: "Ela quis
me barrar na festa. Eu pensei:
"Ela tem que morrer, essa safada". Fui procurar ela na hora do
intervalo e encontrei no corredor. Aí foi daquele jeito. Mandei ver. E ela lá no chão, estirada. Ela ia morrer de qualquer
jeito um dia. Eu só antecipei".
Apesar desses depoimentos,
"Pro Dia Nascer Feliz" também
mostra que, para alguns adolescentes, a escola pode fazer a diferença. Keila, a menina que
pensava em morrer, acha uma
válvula de escape escrevendo
poemas no fanzine da escola.
Douglas, 16, aluno de uma escola em Duque de Caxias (Baixada Fluminense), não disfarça
o orgulho que sentiu quando foi
a um baile funk armado. Mas
ele também sente o mesmo orgulho ao se apresentar num
grupo de percussão do colégio.
"Se existe algum caminho para esses jovens, é o do protagonismo. Eles estão sendo tolhidos. A escola tem que achar alguma forma criativa deles extravasarem, porque, caso contrário, eles vão procurar outros
caminhos para isso", diz o diretor João Jardim.
(ANTÔNIO GOIS)
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