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Cinema/estréias
Eastwood discute mito do heroísmo
Em "A Conquista da Honra", diretor revive soldados que erguem bandeira dos EUA em foto famosa da batalha de Iwo Jima
Diretor também fez "Cartas de Iwo Jima", concorrente ao Oscar, que vê a batalha do ponto de vista japonês; estréia acontece no dia 16
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Iwo Jima, uma ilha do Pacífico, foi o local de uma das mais
sangrentas batalhas no front
oriental da Segunda Guerra.
Tratava-se, para os japoneses,
de evitar a entrada dos americanos na ilha a qualquer custo.
E, para os americanos, de conquistar uma posição estratégica, já em território japonês.
Após duros combates, os americanos conseguiram tomar
uma parte do território e ali erguer sua bandeira.
Clint Eastwood utiliza o episódio em dois filmes, "A Conquista da Honra", que estréia
hoje, e "Cartas de Iwo Jima",
forte concorrente ao Oscar, que
entra em cartaz no dia 16.
O diretor trata, em "A Conquista...", não bem da guerra,
nem da batalha. É a bandeira
que importa. Ou melhor: a foto
da bandeira sendo fincada em
terra estrangeira e a repercussão que teve internamente.
É claro, Clint pensa em guerras mais atuais. Mas a Segunda
Guerra é o palco ideal para colocar sua indagação: "O que é
um herói"? A pergunta é, de
certo modo, clássica. E, como
está longe de ser um tolo, Clint
aproveitará fontes centrais do
cinema americano em busca de
uma resposta contemporânea.
Convivem neste filme três
tons distintos e complementares: o amargor do John Ford de
"O Homem que Matou o Facínora", a crispação de Samuel
Fuller (da escola de Fritz Lang)
em "Agonia e Glória", a frieza e
a ironia de Howard Hawks em
"Sargento York".
É perfeitamente possível
gostar do filme sem nunca ter
ouvido falar dos ilustres nomes
acima. Clint sabe nos deixar
completamente envolvidos na
narrativa em torno do grupo de
soldados que aparece na foto.
A conquista é ainda mais relevante do ponto de vista simbólico do que do militar, pois a
foto daquele feito, publicada
em todos os jornais, mudará o
ânimo dos americanos sobre os
rumos da Segunda Guerra
Mundial. Ciente disso, o governo tratará de repatriar seus heróis para que se tornem garotos-propaganda da venda de
bônus de guerra.
Aí, porém, começam os problemas. Heróis quem? Heróis
como? Aquilo que a opinião pública reconhece como heróis
não são senão os rapazes que
ergueram a bandeira na hora da
foto. Que heroísmo pode existir
nisso? Clint começa por aí a esquadrinhar a questão proposta.
É fascinante.
Tão fascinante quanto a operação que desenvolve em relação ao cinema americano. Como falar de heroísmo sem lembrar, com Fuller, que "na guerra, o único heroísmo é sobreviver"? E como falar de verdade
sem lembrar o enunciado de "O
Homem que Matou o Facínora" (quando a lenda é mais forte
que a verdade, imprime-se a
lenda)? E Ford, que cultivou
mais do que ninguém os mitos
da América, imprimia a lenda,
mas mostrava a verdade que
desmentia o fato.
Por fim, como omitir "Sargento York", em que a fabricação do herói e do heroísmo é
como que colocada num microscópio por Hawks?
Não se trata de "homenagear" esses cineastas clássicos,
nem de evocar o fantasma desse belo passado do cinema, e
sim de saber que o presente do
cinema se faz com seu passado.
É como se, a cada cena, Clint
quisesse voltar nesse admirável
filme a um passado "yorkiano",
no qual o herói, feliz e sem ambigüidade, caía nos braços do
povo. Mas, a cada vez, é como se
esse movimento fosse interrompido pelas sombras da história, pelas mentiras que ficamos conhecendo, por tudo
aquilo que se omitiu para que a
vitória se tornasse possível.
A CONQUISTA DA HONRA
Direção: Clint Eastwood
Produção: EUA, 2006
Com: Ryan Phillippe, Jamie Bell
Quando: a partir de hoje no Bristol, Reserva Cultural e circuito
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